São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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ANÁLISE

Autor criou teatro sem maniqueísmo

Com o grupo Arena, Guarnieri levou o operário ao centro do palco e nunca se intimidou com a censura pós-Golpe de 64

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"O QUE me dá alegria é saber que fiz tudo o que pude e sempre da maneira que gosto." Grande Guarnieri. Nunca cedeu às armadilhas da automistificação, mas nunca fez menos do que aquilo que achava que deveria fazer. Impunha um imenso respeito e simpatia pela sua humildade -a atitude dos que olham o outro com insaciável curiosidade, tentando entender seu ponto de vista.
Tendo aprendido sobre a injustiça não na teoria ideológica mas abrindo os olhos para a vida, como Brecht, passou a infância acompanhando o pai, um maestro militante comunista, em pichações noturnas, ou acompanhando a empregada em incursões pelo morro.
Mudando-se para São Paulo, exerceu essa alegria de viver nos palcos, com Oduvaldo Viana Filho no Teatro Paulista do Estudante, em 1955, grupo que se juntou ao Teatro de Arena. Desponta assim como um vibrante ator em direções de José Renato ("Escola de Maridos", de Molière) e Augusto Boal ("Ratos e Homens").
Em 1958, para encerrar as funções de um Arena atolado em dívidas, José Renato tomou a iniciativa de encenar um dos textos desenvolvidos pelos atores em oficinas de dramaturgia. O escolhido foi "Eles Não Usam Black-Tie", de Guarnieri, que, como quis a história, não foi um canto do cisne mas um renascimento do teatro nacional. Ficando em cartaz em São Paulo por mais de um ano, fato inédito até então, espalhou pelo Brasil a possibilidade de um teatro sem maniqueísmo nem meios termos, que colocava o operário e a greve no centro do palco.
A consagração que se seguiu foi internacional, pelas mãos de Maria della Costa, com "Guimba", e no TBC, com "A Semente", ambas com a cumplicidade de Flávio Rangel e a dura marcação da censura.
O Golpe de 64, longe de desmotivá-lo, produziu "Arena Conta Zumbi" (1965) e "Arena Conta Tiradentes" (1967), com um outro parceiro fundamental, Edu Lobo. Fazendo letras das músicas, Guarnieri tem um cancioneiro a ser revisitado.
A obra que se segue é definida como "teatro de circunstância" por Guarnieri, mas "Botequim", "Um Grito Parado no Ar" e "Ponto de Partida", sobre o assassinato de Herzog, são fortes documentos de época.
"Se você me perguntar se tenho medo da morte, não tenho, me enturmo com o que vier." Grande Guarnieri. Que a tua dignidade nos ilumine em tempos tão duros.


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