|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Autor criou teatro sem maniqueísmo
Com o grupo Arena, Guarnieri levou o operário ao centro do palco e nunca se intimidou com a censura pós-Golpe de 64
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"O
QUE
me dá alegria
é saber que fiz tudo
o que pude e sempre da maneira que gosto."
Grande Guarnieri. Nunca cedeu às armadilhas da automistificação, mas nunca fez menos
do que aquilo que achava que
deveria fazer. Impunha um
imenso respeito e simpatia pela sua humildade -a atitude
dos que olham o outro com insaciável curiosidade, tentando
entender seu ponto de vista.
Tendo aprendido sobre a injustiça não na teoria ideológica
mas abrindo os olhos para a vida, como Brecht, passou a infância acompanhando o pai,
um maestro militante comunista, em pichações noturnas,
ou acompanhando a empregada em incursões pelo morro.
Mudando-se para São Paulo,
exerceu essa alegria de viver
nos palcos, com Oduvaldo Viana Filho no Teatro Paulista do
Estudante, em 1955, grupo que
se juntou ao Teatro de Arena.
Desponta assim como um vibrante ator em direções de José Renato ("Escola de Maridos", de Molière) e Augusto
Boal ("Ratos e Homens").
Em 1958, para encerrar as
funções de um Arena atolado
em dívidas, José Renato tomou
a iniciativa de encenar um dos
textos desenvolvidos pelos atores em oficinas de dramaturgia.
O escolhido foi "Eles Não
Usam Black-Tie", de Guarnieri,
que, como quis a história, não
foi um canto do cisne mas um
renascimento do teatro nacional. Ficando em cartaz em São
Paulo por mais de um ano, fato
inédito até então, espalhou pelo Brasil a possibilidade de um
teatro sem maniqueísmo nem
meios termos, que colocava o
operário e a greve no centro do
palco.
A consagração que se seguiu
foi internacional, pelas mãos
de Maria della Costa, com
"Guimba", e no TBC, com "A
Semente", ambas com a cumplicidade de Flávio Rangel e a
dura marcação da censura.
O Golpe de 64, longe de desmotivá-lo, produziu "Arena
Conta Zumbi" (1965) e "Arena
Conta Tiradentes" (1967), com
um outro parceiro fundamental, Edu Lobo. Fazendo letras
das músicas, Guarnieri tem um
cancioneiro a ser revisitado.
A obra que se segue é definida como "teatro de circunstância" por Guarnieri, mas "Botequim", "Um Grito Parado no
Ar" e "Ponto de Partida", sobre
o assassinato de Herzog, são
fortes documentos de época.
"Se você me perguntar se tenho medo da morte, não tenho,
me enturmo com o que vier."
Grande Guarnieri. Que a tua
dignidade nos ilumine em tempos tão duros.
Texto Anterior: Raio-X Próximo Texto: Repercussão Índice
|