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"Mostro a cozinha onde se faz o prato"
Enrique Diaz busca revelar o que há
por trás das máscaras dos personagens
Trabalhos do diretor, que
iniciou carreira nos anos 80,
já foram encenados em
países como Alemanha,
França, Bélgica e Japão
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO
PRETO (SP)
Sentado ao lado de uma mesa
em que restaram migalhas de
um bufê, num hotel de Rio Preto, o diretor Enrique Diaz parece encontrar a metáfora ideal
para o teatro que lhe interessa.
"Tendo a mostrar a cozinha
onde se constrói o prato que é
servido à mesa. O raciocínio
que faço é o de que toda realidade foi construída, seja pelo inconsciente, seja por questões
políticas ou econômicas", diz o
diretor nascido no Peru e radicado no Rio de Janeiro.
Para ele, "a ideia de um dado
absoluto não faz sentido, significa opressão, falta de liberdade". Daí o ímpeto de desconstruir, espiar o que há por trás
das máscaras dos personagens,
das certezas da dramaturgia
realista.
"Nas últimas décadas, não tenho visto muitos trabalhos desafiadores que sejam só realistas, ilusionistas. O cinema, em
geral, faz isso melhor. Mas um
ator que leva um personagem
às últimas consequências, que
faz bem aquilo, é sempre incrível", observa.
A decomposição da cena que
Diaz busca não se resume a um
"quebrar em pedacinhos e
pronto", ou seja, à simples fragmentação da narrativa. "É uma
grande sinfonia de diferentes
maneiras de olhar, de signos, de
pedaços de mensagens, histórias, emoções."
Para compor essa partitura,
ele leva o teatro a visitar as artes plásticas, a dança, a performance e a literatura -como no
espetáculo "A Paixão Segundo
G.H.", inspirado na obra de Clarice Lispector, ou na série de
intervenções urbanas "Não
Olhe Agora", que chegou a ser
apresentada na França. Seus
trabalhos também já foram vistos na Alemanha, na Bélgica e
no Japão, entre outros. Exercícios de metalinguagem, como
os que são caros a Diaz, correm
sempre o risco de se tornarem
muito autorreferentes, narcísicos. Falando de si mesmos, das
dores e delícias de seu ofício, os
atores podem alienar o espectador.
O diretor acha que seus trabalhos se esquivam dessa armadilha porque "olham para si,
para o teatro, para o autor da
peça original [Shakespeare, no
caso de "Ensaio.Hamlet", e
Tchekov, no de "Gaivota - Tema
para um Conto Curto'] e para o
fenômeno de estar diante de
uma plateia".
"Qualquer montagem supostamente fiel ao original vai ser
sempre uma interpretação com
base num consenso histórico. É
claro que existe um Tchekov
por quem somos apaixonados,
mas temos de indagar onde
aquilo nos toca, porque hoje
não é 1900, algo mudou. E queremos nos comunicar com o
público de agora", afirma ele.
Para afinar esse diálogo, Diaz
pretende retomar o projeto
"Não Olhe Agora" que, há alguns anos, alistou atores, bailarinos e performers para uma
maratona de cenas, improvisações e jogos teatrais em estações de trem e faculdades do
Rio de Janeiro e de Paris.
"Quero retomar essa pesquisa de campo. Não dá para acreditar que vou olhar para uma
pessoa e saber de fato quem ela
é. Mas fazer o movimento já é
incrível, sem buscar o retratismo, sem achar que sou o cara
legal que está indo à periferia
dar voz a quem não tem. Não
quero ser arauto de um discurso vitimizante."
Enquanto formata o projeto,
ele acompanha, como diretor e
produtor, a carreira de "In on
It", que descreve como uma peça "de estrutura matemática,
mas incompleta, com um olhar
quase budista sobre a morte e o
vazio dentro da gente".
Aqui em São José do Rio Preto, "um misto de terror e excitação", Diaz acumulará também a
função de ator, substituindo
Fernando Eiras, derrubado por
uma crise de apendicite. Ou seja, terá todas as ferramentas
para fazer aquilo de que mais
gosta: mostrar a cozinha de onde saem os pratos do teatro.
NEVES)
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