São Paulo, quinta-feira, 23 de julho de 2009

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"Mostro a cozinha onde se faz o prato"

Enrique Diaz busca revelar o que há por trás das máscaras dos personagens

Trabalhos do diretor, que iniciou carreira nos anos 80, já foram encenados em países como Alemanha, França, Bélgica e Japão


ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP)

Sentado ao lado de uma mesa em que restaram migalhas de um bufê, num hotel de Rio Preto, o diretor Enrique Diaz parece encontrar a metáfora ideal para o teatro que lhe interessa.
"Tendo a mostrar a cozinha onde se constrói o prato que é servido à mesa. O raciocínio que faço é o de que toda realidade foi construída, seja pelo inconsciente, seja por questões políticas ou econômicas", diz o diretor nascido no Peru e radicado no Rio de Janeiro.
Para ele, "a ideia de um dado absoluto não faz sentido, significa opressão, falta de liberdade". Daí o ímpeto de desconstruir, espiar o que há por trás das máscaras dos personagens, das certezas da dramaturgia realista.
"Nas últimas décadas, não tenho visto muitos trabalhos desafiadores que sejam só realistas, ilusionistas. O cinema, em geral, faz isso melhor. Mas um ator que leva um personagem às últimas consequências, que faz bem aquilo, é sempre incrível", observa.
A decomposição da cena que Diaz busca não se resume a um "quebrar em pedacinhos e pronto", ou seja, à simples fragmentação da narrativa. "É uma grande sinfonia de diferentes maneiras de olhar, de signos, de pedaços de mensagens, histórias, emoções."
Para compor essa partitura, ele leva o teatro a visitar as artes plásticas, a dança, a performance e a literatura -como no espetáculo "A Paixão Segundo G.H.", inspirado na obra de Clarice Lispector, ou na série de intervenções urbanas "Não Olhe Agora", que chegou a ser apresentada na França. Seus trabalhos também já foram vistos na Alemanha, na Bélgica e no Japão, entre outros. Exercícios de metalinguagem, como os que são caros a Diaz, correm sempre o risco de se tornarem muito autorreferentes, narcísicos. Falando de si mesmos, das dores e delícias de seu ofício, os atores podem alienar o espectador.
O diretor acha que seus trabalhos se esquivam dessa armadilha porque "olham para si, para o teatro, para o autor da peça original [Shakespeare, no caso de "Ensaio.Hamlet", e Tchekov, no de "Gaivota - Tema para um Conto Curto'] e para o fenômeno de estar diante de uma plateia".
"Qualquer montagem supostamente fiel ao original vai ser sempre uma interpretação com base num consenso histórico. É claro que existe um Tchekov por quem somos apaixonados, mas temos de indagar onde aquilo nos toca, porque hoje não é 1900, algo mudou. E queremos nos comunicar com o público de agora", afirma ele.
Para afinar esse diálogo, Diaz pretende retomar o projeto "Não Olhe Agora" que, há alguns anos, alistou atores, bailarinos e performers para uma maratona de cenas, improvisações e jogos teatrais em estações de trem e faculdades do Rio de Janeiro e de Paris.
"Quero retomar essa pesquisa de campo. Não dá para acreditar que vou olhar para uma pessoa e saber de fato quem ela é. Mas fazer o movimento já é incrível, sem buscar o retratismo, sem achar que sou o cara legal que está indo à periferia dar voz a quem não tem. Não quero ser arauto de um discurso vitimizante."
Enquanto formata o projeto, ele acompanha, como diretor e produtor, a carreira de "In on It", que descreve como uma peça "de estrutura matemática, mas incompleta, com um olhar quase budista sobre a morte e o vazio dentro da gente".
Aqui em São José do Rio Preto, "um misto de terror e excitação", Diaz acumulará também a função de ator, substituindo Fernando Eiras, derrubado por uma crise de apendicite. Ou seja, terá todas as ferramentas para fazer aquilo de que mais gosta: mostrar a cozinha de onde saem os pratos do teatro.
NEVES)


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