CHRISTIANE RIERA
ENVIADA ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

No microdrama "Comida Alemã", do austríaco Thomas Bernhard, um dos escritores mais provocadores do século 20, uma família alemã é perseguida por fantasmas do nacional-socialismo.
Amália Kassai migrou esta história para a realidade chilena, especificamente para a colônia Dignidade, uma suposta sociedade beneficente que mascarou, por décadas, casos de abuso infantil.
Este enclave de alemães no Chile foi fundado pelo nazista Paul Schäfer. É na fusão de feridas históricas que contaminam o passado desses países que o talentoso diretor chileno Cristián Plana constrói seu espetáculo.
A colônia alemã chilena serve como metonímia dramática para revelar um sistema opressor maior que foi o regime ditatorial de seu país. Em sua montagem, o palco é reduzido em pequena caixa cinza e recria o claustrofóbico porão de uma casa.
Na abertura, seis jovens espremem-se numa escada. Sob a regência de uma supervisora, ensaiam um repertório de Franz Schubert. Desprovido de vida, o coro canta a música romântica suave. O drama nasce do descompasso entre um clima abusivo, traduzido na tensão do corpo dos atores, e a beleza das melodias cantadas ao longo do espetáculo.
Pouco acontece na trama. Depois do ensaio, enquanto tomam uma sopa, os jovens trocam parcos diálogos, todos em alemão. Vazios de emoção, movimentos contidos e lentos cristalizam um retrato da desumanização.
A política opressora é deslocada para o corpo, que reage à sopa com pequenas tragédias escatológicas. Sangue, urina e vômito fluem vagarosamente pelos poros deste coletivo. A concepção clara exige coreografia com ritmo preciso. Mais dotados de bela voz que de domínio físico, os atores ora ou outra comprometem a modulação harmônica na interpretação desta rigorosa partitura. Mesmo assim, "Comida Alemã" é um exemplo de que, com poucos recursos, consegue-se muito.

CHRISTIANE RIERA e LENISE PINHEIRO hospedam-se a convite do 10º FIT