São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

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ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

Em defesa dos tabloides


Muitos dos grandes furos jornalísticos das últimas décadas foram dados por jornais populares


Existe um jeito fácil de analisar o escândalo do "NoW", o tabloide semanal inglês que o dono, Rupert Murdoch, mandou fechar semana retrasada. É assim: "O bom jornalismo venceu o mau jornalismo. Graças a publicações sérias, como o 'New York Times' e o 'Guardian', foi desmascarado o péssimo trabalho de jornalecos como o 'NoW'. Ufa, podemos dormir tranquilos".
Não acho que a questão seja tão simples. Porque os tabloides, principalmente os ingleses, não constituem um lixo desprezível. São tecnicamente muito bons. Criativos, com muito faro para notícia, bem diagramados, muito bem escritos e, até por medo de sofrer processos na Justiça, diligentemente apurados.
Muitos dos grandes furos jornalísticos das últimas décadas não vieram da imprensa dita "séria", mas dos jornais populares. Em 1987, foram reportagens do desprezado "National Enquirer", tabloide americano, que destroçaram a candidatura à Presidência do democrata Gary Hart (que tinha um caso extraconjugal).
Em 1995, o "Enquirer" também liderou a cobertura do caso OJ Simpson, ex-jogador de futebol americano acusado de matar a mulher.
E, em 2008, foi o mesmo "Enquirer" que revelou com exclusividade que o pré-candidato democrata à presidência John Edwards tinha engravidado a amante (que trabalhava na campanha), enquanto a mulher dele lutava contra o câncer. A série de reportagens valeu uma indicação ao Pulitzer, prêmio máximo da imprensa americana.
No começo dos anos 90, fui um dos editores do "Notícias Populares", extinto jornal de São Paulo. Durante a elaboração de uma primeira página (tarefa que, vista de fora, parecia divertida, mas na verdade era bastante trabalhosa), perguntei a minha então chefe: "Por que a gente faz isso?"
Claro que a resposta pragmática seria: "Para vender jornal". Mas nós, jovens jornalistas bem formados, recém-egressos da imprensa "mainstream", preferíamos pensar além. A resposta me serviu como baliza para os anos seguintes, quando assumi a chefia do "NP": "A melhor maneira de justificar o que a gente faz é pensar que não se deve deixar nenhum ídolo em pé".
Tendo como modelo os jornais populares ingleses, acompanhávamos de perto o "The Sun", líder em circulação. Mas nosso coração estava com o segundo colocado, o "Daily Mirror", que tinha origem de esquerda e costumava apoiar o Partido Trabalhista (vivia-se a época da transição Margaret Thatcher/ John Major, 18 anos de governo conservador).
Cada um a seu modo, o "Sun'' -conservador pilotado por Murdoch- e o "Mirror" -progressista de que tanto gostávamos- eram iconoclastas implacáveis.
É esse "drive" de metralhadora giratória que move (ou deveria mover) os tabloides. O político moralista e supostamente impoluto pode ser um devasso venal. O policial que chegou para acabar com a corrupção pode ter um armário cheio de esqueletos. O famoso que posa de simpático pode ser um escroque intragável na vida pessoal.
Cabe ao tabloide, essa forma de imprensa vibrante, ousada e vanguardista, desmascarar tudo isso. Ou caberia.
Porque o que o "NoW" fez não tem justificativa. Não havia nenhum objetivo maior de desmascarar um mito, de incomodar um poderoso. Os detetives contratados pelo tabloide invadiram os celulares de uma jovem morta, de vítimas de atentados, de gente indefesa, de celebridades. Sabe-se lá o que mais aprontaram.
Enquanto isso, os altos dirigentes do jornal viviam na maior intimidade com políticos e policiais de alta patente.
Temo que a debacle do "NoW" seja mais um prego no caixão da imprensa popular britânica, a melhor do mundo. O próprio "NoW", nos anos 50, chegou a vender 8,4 milhões de exemplares. Ao morrer, eram 2,7 milhões (número ainda alto, mas em decadência constante desde a década de 90).
Os tabloides britânicos veem a internet assumir a primazia no noticiário de celebridades e da informação curta, fácil e imediata.
Em 2010, nada menos que 60% da população adulta do Reino Unido acessaram a web "todo dia ou quase todo dia". Setenta e três por cento dos domicílios têm internet. A vida já estava difícil. A imperdoável falta de escrúpulos do "NoW" fez tudo piorar.

cby2k@uol.com.br

AMANHÃ NA ILUSTRADA
Ferreira Gullar

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