São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

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Crítica/"Possuidos"

Diretor de "Exorcista", Friedkin volta à grande forma em suspense

DO CRÍTICO DA FOLHA

Construir um mundo ficcional ao modo e semelhança da realidade e alcançar dessa maneira um adendo de veracidade é uma ambição que move a maioria dos cineastas. Os grandes diretores, porém, nunca deixam de lançar um olhar cético sobre o que a gente costuma chamar de "real" e, assim, ampliam os limites da percepção.
No caso do veterano William Friedkin, essa tendência se amplifica por sua capacidade de colocar personagens no lugar de vítimas de suas próprias crenças e sempre tomados, a certa altura, por uma posse que culmina na perda de si.
Basta lembrar dois grandes títulos do diretor, "O Exorcista" (1973) e "Parceiros da Noite" (1980), em que o Mal era o princípio condutor para Friedkin abordar sua obsessão pela autodissolução.
"Possuídos" marca seu retorno à grande forma com um filme de baixo orçamento, feito à margem da indústria, mas que devolve ao cineasta um peso que há muito fora confiscado.
Uma interpretação simplista pode enxergar em "Possuídos" uma metáfora política centrada no medo e na paranóia vigentes nos Estados Unidos pós-11 de Setembro. Essa primeira camada de significados, sem dúvida, está presente na história do casal que se crê atacado por insetos e se encerra num quarto de motel, o que lança um olhar maligno sobre o lado suicida do total controle.
O que torna esse trabalho de Friedkin tão valioso, porém, não se esgota em sua habilidade em explorar simbolismos imediatos. Como seus personagens machucam a própria pele na tentativa de se livrar dos incômodos invasores, o diretor também arranca essa primeira camada da superfície em busca de mais sentidos, não importa se reais ou imaginários.
O primeiro está em sabotar o nível primário da identificação, abolido para instaurar a ambigüidade completa entre vítima e algoz, entre bem e mal, construída a partir de índices incertos que levam o espectador a se perder na zona de segurança habitual.
Já o segundo, mais rigoroso, é se aventurar a fazer no cinema, espaço em que se crê em tudo o que se vê, um relato estritamente mental, no qual o visível é substituído pela imaginação ou o delírio. Já se sabe desde "O Exorcista" que, no cinema de Friedkin, o demônio ou qualquer espécie de mal não precisa se materializar para se tornar efetivo.
A idéia de posse imaterial, por fim, culmina em "Possuídos" na forma de filme de amor fora do padrão. O parasitismo dos vermes reflete e acentua a modalidade da paixão do casal protagonista, que se entrega a ponto de nada mais lhes restar senão desejar o próprio fim.
Nessa aventura de certo risco para os padrões do cinema americano, Friedkin joga o espectador numa experiência assombrosa que nada fica a dever ao gênio maligno de Cronenberg. (CÁSSIO STARLING CARLOS)

POSSUÍDOS
Produção:
EUA, 2006
Direção: William Friedkin
Com: Ashley Judd, Michael Shannon
Quando: estréia amanhã no Jardim Sul 6, Shopping D 8 e circuito
Avaliação: ótimo


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