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Crítica/"Possuidos"
Diretor de "Exorcista", Friedkin volta à grande forma em suspense
DO CRÍTICO DA FOLHA
Construir um mundo ficcional ao modo e semelhança da realidade e
alcançar dessa maneira um
adendo de veracidade é uma
ambição que move a maioria
dos cineastas. Os grandes diretores, porém, nunca deixam de
lançar um olhar cético sobre o
que a gente costuma chamar de
"real" e, assim, ampliam os limites da percepção.
No caso do veterano William
Friedkin, essa tendência se amplifica por sua capacidade de
colocar personagens no lugar
de vítimas de suas próprias
crenças e sempre tomados, a
certa altura, por uma posse que
culmina na perda de si.
Basta lembrar dois grandes
títulos do diretor, "O Exorcista" (1973) e "Parceiros da Noite" (1980), em que o Mal era o
princípio condutor para Friedkin abordar sua obsessão pela
autodissolução.
"Possuídos" marca seu retorno à grande forma com um filme de baixo orçamento, feito à
margem da indústria, mas que
devolve ao cineasta um peso
que há muito fora confiscado.
Uma interpretação simplista
pode enxergar em "Possuídos"
uma metáfora política centrada
no medo e na paranóia vigentes
nos Estados Unidos pós-11 de
Setembro. Essa primeira camada de significados, sem dúvida,
está presente na história do casal que se crê atacado por insetos e se encerra num quarto de
motel, o que lança um olhar
maligno sobre o lado suicida do
total controle.
O que torna esse trabalho de
Friedkin tão valioso, porém,
não se esgota em sua habilidade
em explorar simbolismos imediatos. Como seus personagens
machucam a própria pele na
tentativa de se livrar dos incômodos invasores, o diretor
também arranca essa primeira
camada da superfície em busca
de mais sentidos, não importa
se reais ou imaginários.
O primeiro está em sabotar o
nível primário da identificação,
abolido para instaurar a ambigüidade completa entre vítima
e algoz, entre bem e mal, construída a partir de índices incertos que levam o espectador a se
perder na zona de segurança
habitual.
Já o segundo, mais rigoroso,
é se aventurar a fazer no cinema, espaço em que se crê em
tudo o que se vê, um relato estritamente mental, no qual o visível é substituído pela imaginação ou o delírio. Já se sabe
desde "O Exorcista" que, no cinema de Friedkin, o demônio
ou qualquer espécie de mal não
precisa se materializar para se
tornar efetivo.
A idéia de posse imaterial,
por fim, culmina em "Possuídos" na forma de filme de amor
fora do padrão. O parasitismo
dos vermes reflete e acentua a
modalidade da paixão do casal
protagonista, que se entrega a
ponto de nada mais lhes restar
senão desejar o próprio fim.
Nessa aventura de certo risco
para os padrões do cinema
americano, Friedkin joga o espectador numa experiência assombrosa que nada fica a dever
ao gênio maligno de Cronenberg.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)
POSSUÍDOS
Produção: EUA, 2006
Direção: William Friedkin
Com: Ashley Judd, Michael Shannon
Quando: estréia amanhã no Jardim
Sul 6, Shopping D 8 e circuito
Avaliação: ótimo
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