São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

abaixo o modernismo paulista!

O crítico gaúcho Luís Augusto Fischer aproxima Machado e Borges, sobre os quais lança livro, e ataca a vanguarda de Mário e Oswald de Andrade

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Rio de Janeiro e Buenos Aires se encontraram em Porto Alegre. A síntese "geográfica" e intelectual não acontece num conto de Jorge Luis Borges, mas em um texto de que o autor argentino é personagem. Acaba de sair "Machado e Borges", publicado pela gaúcha Arquipélago Editorial. Nele, Luís Augusto Fischer, 50, professor de literatura brasileira na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), traça relações entre os contextos de produção e a forma literária de suas obras. Mas e o modernismo paulista? O ansioso leitor, autor da pergunta, talvez prefira saltar os próximos dois parágrafos, que lhe parecerão inúteis. Borges e Machado de Assis, para Fischer, são grandes e decisivos porque conseguiram, melhor do que qualquer autor ou movimento literário, solucionar sua condição de escritores periféricos, embora herdeiros da tradição européia. Nem recusaram, nem aderiram ao centro, resolvendo de modo "dialético" o problema imposto aos escritores da América. E com seu realismo "desfocado", encontraram forma para momentos de crise que os dois países atravessavam quando atingiram a maturidade. Nisso Machado, no Brasil, encontrou solução superior à do "modernismo paulista", que, de acordo com Fischer, seguiu nacionalista nos temas e estritamente vanguardista na forma, recusando e aderindo ao centro, sem encontrar a síntese de que foram capazes Borges e Machado. Na entrevista a seguir, Fischer também questiona a posição central, "excessiva", que o modernismo ainda ocupa "na definição que se faz da literatura e da cultura brasileira no século 20".

 

FOLHA - No seu livro, o sr. relaciona os contextos históricos da produção das obras de Machado e Borges com certa forma literária, comum aos dois, de desconfiança em relação ao realismo. Como isso se dá?
FISCHER
- Tanto um quanto o outro vivem, nos seus períodos de formação, um momento de "alta", digamos, de estabilidade das condições econômicas e políticas dos dois países. Mas só ficam maduros em momentos de crise. Que correspondem, mais ou menos, à campanha republicana, no Brasil, e à Segunda Guerra, na Argentina. Nos dois casos, o realismo aparece como uma das formas válidas para os escritores contemporâneos a eles discutirem o mundo. E os dois, cada um com seu viés, mas ambos com muita leitura da tradição inglesa, acabam conseguindo, por uma distância não-realista, enxergar melhor o que está acontecendo. Até por isso fizeram obra madura, grande. Não embarcaram na onda nacionalista, nem na onda realista -que seria a saída crítica mais imediata, aparentemente mais forte. Os dois, com sua desconfiança em relação ao realismo, não vão aderir à superfície. Os costumes, o modo de se vestir, aparecem lateralmente na obra do Machado. Ao passo que num romance como "O Cortiço", você pode fazer todo um recenseamento de modos de vida das classes populares. Essa adesão mimética, que é a mesma da novela, por exemplo, tem um apelo fácil para o leitor. Nenhum dos dois aderiu a esse conforto. Investiram numa aventura que era mais arriscada, mas que provou ser mais eficaz a longo prazo.

FOLHA - Outra idéia é a de que eles atingem alto padrão porque respondem melhor à condição de fazerem literatura fora da Europa. No que a solução dos dois é diferente daquela do modernismo, por exemplo?
FISCHER
- É possível fazer uma distinção, no plano do temperamento, entre uma atitude clássica e uma atitude romântica. Nesse sentido, o modernismo de modelo paulista, de modelo vanguardista, também é romântico. Ele é entusiasmado, se compreende como vanguarda, se apresenta com uma face de combate. É uma coisa que tem um apelo forte, e é encantador para uma perspectiva adolescente, digamos, que quando vê alguém brigando na rua acha que ali está o caminho da verdade.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: "Em SP, só vale o que é novo ou vanguardista"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.