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"Em SP, só vale o que é novo ou vanguardista"
Crítico afirma que modernismo paulista inventou o carimbo de "regionalismo'
Borges e Machado atingem "discernimento" literário "superior" ao lidarem de forma mais "cautelosa" com material temático local
Eduardo Lima/Folha Imagem
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Luís Augusto Fischer, na sala de sua casa, em Porto Alegre
DA REPORTAGEM LOCAL
A seguir, Luís Augusto Fischer aponta as insuficiências
estéticas e críticas do modernismo paulista, ainda hegemônico na compreensão da literatura brasileira.
(RAFAEL CARIELLO)
FOLHA - No que Machado e Borges
são diferentes dessa atitude "romântica" do modernismo?
FISCHER - A atitude clássica, que
é a atitude do Machado e do
Borges, é mais cautelosa. O Machado sempre foi cobrado por
parecer um absenteísta, por
não ter se envolvido com a
campanha abolicionista. Já o
Borges, quando se pronunciou,
foi de fato conservador. Fazendo uma distinção grosseira, é
como se Machado e Borges fossem de direita, e o romantismo
e o modernismo, de esquerda.
Com tudo o que isso implica.
Ora, eles não aceitaram as injunções de tipo nacionalista,
muito embora os dois tenham
lidado com a matéria local fortemente. Politicamente, dá para discutir para qualquer lado.
Literariamente, eles tiveram
um discernimento superior,
mais fino do que a média dos
seus contemporâneos.
Tanto no romantismo quanto no modernismo no sentido
brasileiro, o lado nacionalista
aponta para uma aliança com o
nacional-popular. Como é que
o Mário de Andrade faz? Em
"Macunaíma", ele faz um recolhimento de mitologia disponível em várias partes do Brasil e
constrói um personagem e sua
trajetória. Significa isso, uma
volta ao nacional-popular como lugar em que o autêntico vai
se manifestar.
Aí você olha para o Machado,
que já em vida foi criticado de
ser macaqueador da literatura
inglesa. O Borges, acusado de
escrever para europeus. Parecia, aos nacionalistas e aos nacional-populares, que estavam
cometendo um pequeno crime,
por não levarem em conta a
matéria-prima local. E de fato
não levaram em conta aquela
matéria local mais evidente,
mais superficial. No entanto, os
dois discutiram a posição do intelectual, do escritor, nesse
mundo paradoxal que tinha
que pagar o pedágio do nacionalismo e se manter informado
do que acontece no centro.
Em vez de recusarem o centro, ou de aderirem a ele, os dois
conseguiram -a palavra é velha, mas é essa mesmo- uma
perspectiva rigorosamente dialética, encontrando sínteses no
meio dessa contradição.
FOLHA - Em um artigo para a revista "Cultura e Pensamento", o sr.
afirma que a idéia de "regionalismo" é uma criação do modernismo
paulista. Como isso se dá?
FISCHER - É preciso desnaturalizar essa centralidade do modernismo paulista, que para
mim é claramente excessiva, na
definição que se faz da literatura e da cultura brasileira no século 20. Um exemplo caricato,
mas verdadeiro, é o seguinte:
pegue um manual escolar, e a
palavra modernismo descreve
tudo o que aconteceu no século
20. "Pré-modernismo", "modernismo de primeira fase", "de
segunda fase", tem de tudo. Se
uma palavra serve para tudo isso, serve pouco.
O modo como o modernismo
paulistano se tornou hegemônico implicou uma exclusão do
tema rural, ou um rebaixamento desse tema e do tema provincial. O exemplo local aqui é o
Erico Verissimo. Os historiadores modernistas, sempre modernistas, olham para isso e dizem: "É regionalismo". E isso
significa imediatamente um rebaixamento. A sugestão implícita nessa nomeação é a de que
fora desse regionalismo é que
há o cosmopolitismo, o avanço,
a modernização. O que tento
discutir é que ali onde existe
um carimbo apenas, o de "regionalismo", tem muito mais
do que isso. Evidentemente
tem coisa muito rebaixada, mas
tem também coisa boa.
FOLHA - Essa valorização tem a ver
com características da história de
São Paulo, de sua urbanização e industrialização?
FISCHER - Sim. Tem a ver com o
fato de São Paulo ter tomado a
hegemonia do Rio, com o fato
de ser uma cidade que cresceu
muito rapidamente, com metade da população não nascida no
Brasil, no início do século passado. Nesse momento, na virada para o século 20, São Paulo
foi uma cidade que apagou o
passado. Até hoje São Paulo é
assim, essa obsessão pelo novo,
o novo, o novo. Uma cidade que
não tem compromisso com o
passado e, pelo contrário, só o
tem com o futuro. Que implica
a seguinte regra geral: só vale o
que é absolutamente novo ou
vanguardista. Então, resumindo a equação, São Paulo entronizou a regra de que só vale o
que é vanguarda, e o que não for
fica imediatamente rebaixado,
como coisa secundária, ou provincial, ou regionalista.
FOLHA - Como o sr. vê a avaliação
que fazem da obra de Mário e Oswald de Andrade em São Paulo? São
importantes?
FISCHER - Sem dúvida são, mas
não têm a estatura que se dá a
eles. Mário de Andrade é um
poeta bastante secundário. Não
quer dizer que não tenha valor,
tem, mas ao lado dele eu coloco
mais uns dez, da mesma geração.
Você pega esse livro das cartas do Mário de Andrade com o
Drummond. É o tempo todo o
Mário querendo que o Drummond fosse mais nacional, e o
Drummond dizendo que não. E
no entanto você olha hoje o
modo como as coisas são escritas, e parece que o Drummond
dependeu da existência do Mário de Andrade.
MACHADO E BORGES
Autor: Luís Augusto Fischer
Editora: Arquipélago Editorial
Quanto: R$ 37 (264 págs.)
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