São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

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"Em SP, só vale o que é novo ou vanguardista"

Crítico afirma que modernismo paulista inventou o carimbo de "regionalismo'

Borges e Machado atingem "discernimento" literário "superior" ao lidarem de forma mais "cautelosa" com material temático local


Eduardo Lima/Folha Imagem
Luís Augusto Fischer, na sala de sua casa, em Porto Alegre

DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, Luís Augusto Fischer aponta as insuficiências estéticas e críticas do modernismo paulista, ainda hegemônico na compreensão da literatura brasileira.
(RAFAEL CARIELLO)

 

FOLHA - No que Machado e Borges são diferentes dessa atitude "romântica" do modernismo?
FISCHER
- A atitude clássica, que é a atitude do Machado e do Borges, é mais cautelosa. O Machado sempre foi cobrado por parecer um absenteísta, por não ter se envolvido com a campanha abolicionista. Já o Borges, quando se pronunciou, foi de fato conservador. Fazendo uma distinção grosseira, é como se Machado e Borges fossem de direita, e o romantismo e o modernismo, de esquerda. Com tudo o que isso implica. Ora, eles não aceitaram as injunções de tipo nacionalista, muito embora os dois tenham lidado com a matéria local fortemente. Politicamente, dá para discutir para qualquer lado. Literariamente, eles tiveram um discernimento superior, mais fino do que a média dos seus contemporâneos. Tanto no romantismo quanto no modernismo no sentido brasileiro, o lado nacionalista aponta para uma aliança com o nacional-popular. Como é que o Mário de Andrade faz? Em "Macunaíma", ele faz um recolhimento de mitologia disponível em várias partes do Brasil e constrói um personagem e sua trajetória. Significa isso, uma volta ao nacional-popular como lugar em que o autêntico vai se manifestar. Aí você olha para o Machado, que já em vida foi criticado de ser macaqueador da literatura inglesa. O Borges, acusado de escrever para europeus. Parecia, aos nacionalistas e aos nacional-populares, que estavam cometendo um pequeno crime, por não levarem em conta a matéria-prima local. E de fato não levaram em conta aquela matéria local mais evidente, mais superficial. No entanto, os dois discutiram a posição do intelectual, do escritor, nesse mundo paradoxal que tinha que pagar o pedágio do nacionalismo e se manter informado do que acontece no centro. Em vez de recusarem o centro, ou de aderirem a ele, os dois conseguiram -a palavra é velha, mas é essa mesmo- uma perspectiva rigorosamente dialética, encontrando sínteses no meio dessa contradição.

FOLHA - Em um artigo para a revista "Cultura e Pensamento", o sr. afirma que a idéia de "regionalismo" é uma criação do modernismo paulista. Como isso se dá?
FISCHER
- É preciso desnaturalizar essa centralidade do modernismo paulista, que para mim é claramente excessiva, na definição que se faz da literatura e da cultura brasileira no século 20. Um exemplo caricato, mas verdadeiro, é o seguinte: pegue um manual escolar, e a palavra modernismo descreve tudo o que aconteceu no século 20. "Pré-modernismo", "modernismo de primeira fase", "de segunda fase", tem de tudo. Se uma palavra serve para tudo isso, serve pouco. O modo como o modernismo paulistano se tornou hegemônico implicou uma exclusão do tema rural, ou um rebaixamento desse tema e do tema provincial. O exemplo local aqui é o Erico Verissimo. Os historiadores modernistas, sempre modernistas, olham para isso e dizem: "É regionalismo". E isso significa imediatamente um rebaixamento. A sugestão implícita nessa nomeação é a de que fora desse regionalismo é que há o cosmopolitismo, o avanço, a modernização. O que tento discutir é que ali onde existe um carimbo apenas, o de "regionalismo", tem muito mais do que isso. Evidentemente tem coisa muito rebaixada, mas tem também coisa boa.

FOLHA - Essa valorização tem a ver com características da história de São Paulo, de sua urbanização e industrialização?
FISCHER
- Sim. Tem a ver com o fato de São Paulo ter tomado a hegemonia do Rio, com o fato de ser uma cidade que cresceu muito rapidamente, com metade da população não nascida no Brasil, no início do século passado. Nesse momento, na virada para o século 20, São Paulo foi uma cidade que apagou o passado. Até hoje São Paulo é assim, essa obsessão pelo novo, o novo, o novo. Uma cidade que não tem compromisso com o passado e, pelo contrário, só o tem com o futuro. Que implica a seguinte regra geral: só vale o que é absolutamente novo ou vanguardista. Então, resumindo a equação, São Paulo entronizou a regra de que só vale o que é vanguarda, e o que não for fica imediatamente rebaixado, como coisa secundária, ou provincial, ou regionalista.

FOLHA - Como o sr. vê a avaliação que fazem da obra de Mário e Oswald de Andrade em São Paulo? São importantes?
FISCHER
- Sem dúvida são, mas não têm a estatura que se dá a eles. Mário de Andrade é um poeta bastante secundário. Não quer dizer que não tenha valor, tem, mas ao lado dele eu coloco mais uns dez, da mesma geração. Você pega esse livro das cartas do Mário de Andrade com o Drummond. É o tempo todo o Mário querendo que o Drummond fosse mais nacional, e o Drummond dizendo que não. E no entanto você olha hoje o modo como as coisas são escritas, e parece que o Drummond dependeu da existência do Mário de Andrade.

MACHADO E BORGES
Autor: Luís Augusto Fischer
Editora: Arquipélago Editorial
Quanto: R$ 37 (264 págs.)



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