São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Negócio da China

Em vez de fazer seu espaço próprio, Brasil aluga e adapta pavilhão para sua representação na Expo Xangai e admite que fará só "uma fachada e interiores"

China Daily/Reuters
Teste de iluminação no pavilhão Sun Valley, em Xangai

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A XANGAI
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil vai se apresentar na maior feira universal de todos os tempos, Xangai 2010, adequando um pavilhão "vagabundo" e "pequeno", segundo o próprio arquiteto por trás do projeto, Fernando Brandão.
A representação nacional em Xangai terá uma bola de futebol e um Cristo Redentor como elementos mais visíveis e será instalada em um espaço alugado, construído por chineses.
Para arquitetos ouvidos pela Folha, o Brasil está desperdiçando uma oportunidade de promover o país e sua arquitetura na nova potência mundial.
A Expo Xangai 2010 é o maior evento organizado pela China desde a Olimpíada. Terá pavilhões de 191 países e um orçamento de US$ 4 bilhões.
Ao contrário de países como Reino Unido e Espanha, o Brasil não fez um concurso público para a escolha do pavilhão, o que, na opinião de arquitetos ouvidos pela reportagem, pareceu uma "ação entre amigos". Até os responsáveis pelo projeto admitem que tudo foi feito às pressas, que houve só 15 dias para a elaboração de ideias e que não dá para comparar a antigas representações do Brasil.
No passado, pavilhões brasileiros em feiras universais foram marcos arquitetônicos, como em Nova York, em 1939, com projeto de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, ou em Osaka, em 1970, com Paulo Mendes da Rocha. Desde 1992, o Brasil ocupa espaços alugados.
O governo brasileiro pediu a uma associação de arquitetos, a Asbea, que se encarregasse do pavilhão. A Asbea diz que organizou concurso entre seus sócios, mas só dez deles elaboraram ideias para o pavilhão e só três chegaram a apresentar um projeto final para o espaço.
"Nem fiquei sabendo", diz Ruy Ohtake, sócio da Asbea. "Poderia haver um concurso mais transparente, entre jovens arquitetos brasileiros."
O autor do pavilhão vencedor, Fernando Brandão, que está na diretoria da Asbea desde maio, acusa a falta de tempo para a qualidade do projeto.
"É tudo na última hora, no jeitinho, somos um dos últimos países a apresentar projeto na Expo Xangai", diz Brandão. "Esse pavilhão não pode ser comparado aos históricos pavilhões brasileiros, que foram construídos do zero. Esse é um galpão alugado, bem vagabundo, todo pronto, a gente só fez a instalação do conteúdo."
No governo, a explicação para a modéstia na representação é logística e financeira. "A primeira ideia foi a de construir um pavilhão, mas o fato de que os pavilhões vão ficar para os chineses envolveu a Casa Civil e o Ministério do Desenvolvimento", diz Ricardo Schafer, comissário do projeto na Apex, agência de promoção do Ministério do Desenvolvimento responsável pela Expo. "Preferimos alugar um pavilhão a construir, pelo custo-benefício."
A adequação e manutenção do pavilhão brasileiro custará R$ 23 milhões, que chegará a R$ 70 milhões com outros gastos do projeto. Pouco menos do que os cerca de R$ 79 milhões do pavilhão do Canadá, um dos maiores na Expo, concebido pelo Cirque du Soleil.
"Em Xangai faremos uma adaptação do pavilhão, uma arquitetura de interiores, com a aplicação de uma fachada", diz o presidente da Asbea, Ronaldo Rezende. "Decidimos fazer um concurso com os escritórios que estavam cadastrados no projeto de exportação da Apex, dentro do nosso quadro social."

Desperdício
Para vários arquitetos, o pavilhão desperdiça o momento em que a China atrai a atenção do mundo. "O concurso deveria ser público ou no mínimo com escritórios de notória competência, não só associados da Asbea", critica o arquiteto Milton Braga, do escritório MMBB. "A tradição brasileira é apresentar pavilhões de ótima arquitetura, é um tema caro ao meio."
"Um país como o Brasil não pode se dar o direto de desprezar momentos como esse. Tínhamos a obrigação de organizar um concurso nacional para levar à China o melhor da arquitetura brasileira contemporânea", diz a arquiteta Fernanda Barbara, do escritório UNA.
Paulo Mendes da Rocha, que chegou a ser consultado pelo governo no ano passado para apresentar um projeto -e que depois soube do concurso da Asbea-, diz que a discussão em torno do pavilhão parece "mais comercial do que cultural".
O tema da exposição é "Cidade Melhor, Vida Melhor", com 150 experiências inovadoras em habitação, trânsito, meio ambiente, novas energias e espaço público de todo o mundo, escolhidas pelos chineses.
Xangai aproveita a feira universal para virar uma cidade melhor. Mais de 120 km de novas linhas de metrô serão inauguradas até 1º de maio de 2010, quando a Expo é aberta. A feira ficará em cartaz por seis meses num terreno de 5,5 km2, ou 3,5 vezes o parque Ibirapuera.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.