São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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Central do Brasil

Vantoen Pereira Jr./Divulgação
Cena de "O Diabo a Quatro", de Alice de Andrade, que disputa a "Première Brasil" no Festival do Rio; filme estréia em fevereiro


Com competição atraente de filmes nacionais, Festival do Rio ameaça tomar lugar que já foi de Gramado e Brasília

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A ficção brasileira se mudou para o Rio de Janeiro, mas ainda não foi de mala e cuia. Com dez atraentes títulos na competição "Première Brasil", o Festival do Rio, 5, (que começa hoje e vai até 7/10) é candidato a desbancar as decanas mostras de Gramado, 32, e Brasília, 37, como ponta-de-lança dos filmes até os cinemas.
Porém a dúvida sobre o real efeito da disputa ainda é companheira dos cineastas inscritos.
"Todo festival é uma incógnita. Cada filme tem que buscar seu nicho, seu parceiro, seu distribuidor. É quase como tentar encontrar, com data e local marcados, alguém para amar e ser amado. Vai que dá certo. Geralmente, não dá!", diz Sylvio Back, que compete com "Lost Zweig", filme que disputou o Festival de Brasília em 2003 e venceu roteiro, direção de arte e atriz (Ruth Rieser).
Por enquanto, "Lost Zweig", sobre a vida do escritor austríaco Stepan Zweig, que se suicidou no Brasil em 1942, só tem lançamento agendado em Porto Alegre (15/10), Curitiba e Florianópolis, para novembro.

Mercado
"Chegou um momento em que ganhar ou não ganhar os festivais de Brasília e Gramado parece não fazer diferença do ponto de vista do mercado. Temos o exemplo de filmes que venceram ultimamente e tiveram fraco desempenho nos cinemas", diz a cineasta Lúcia Murat, que compete no Festival do Rio com "Quase Dois Irmãos".
O novo filme de Murat é uma visão da fratura social carioca, exposta na antítese morro/asfalto. Tem roteiro de Paulo Lins, autor do best-seller "Cidade de Deus", e participou neste mês do Festival de Toronto (Canadá), espécie de bússola do mercado mundial.
Depois da passagem por Toronto, Murat diz que seu interesse no Festival do Rio "tem muito mais o sentido do Brasil", e não o da visibilidade externa. O Festival do Rio espera receber 200 profissionais estrangeiros, entre cineastas, produtores e programadores.
O júri da disputa nacional conta com Laurent Jacob, um dos selecionadores do Festival de Cannes, ao lado dos cineastas Ruy Guerra (que ocupa a presidência) e Alain Fresnot e da atriz Dira Paes.
"O cinema brasileiro tem de ter uma vitrine nacional e, talvez, internacional. Brasília já foi [isso]. Gramado já foi. Os dois se perderam. O lugar está vago", diz o diretor Roberto Moreira, que compete com seu primeiro longa, "Contra Todos", já exibido nos festivais de Recife e de Belém e nas mostras de Berlim, Hong Kong e Montréal.
"Contra Todos" estréia nos cinemas do país no dia 19/11. Moreira diz que a participação do filme no Festival do Rio e na futura Mostra Internacional de São Paulo (22/10 a 4/11) faz parte de sua estratégia de lançamento.
A situação é semelhante para Alice Andrade, filha do cineasta Joaquim Pedro de Andrade (1932-88), que apresenta no Rio sua estréia na direção de longas ficcionais, "O Diabo a Quatro", que tem estréia comercial prevista para o próximo mês de fevereiro.

Bochicho
Ambientado no Rio de Janeiro e co-produzido com França, Suíça e Portugal, o caminho do filme em direção ao festival carioca foi natural. "O Festival do Rio está ficando cada vez mais importante. Na Mostra de Veneza (1º/9 a 11/9), os co-produtores ouviram um bochicho sobre gente que estava vindo", diz Alice.
O inglês Simon Channing Williams, produtor do filme vencedor desta edição de Veneza, "Vera Drake", de Mike Leigh, é uma das presenças aguardadas no Rio.
O poder de atração da cidade e o caráter internacional do Festival do Rio o tornam incomparável com o de Gramado, na opinião do crítico Luiz César Cozatti, membro das comissões de seleção e organização da mostra gaúcha.
"Gramado não tem a pretensão de ser a grande plataforma lançadora de filmes, até por realismo. Não dá para comparar uma cidadezinha bonitinha, com boa gastronomia, bons hotéis, mas pouquíssimos cinemas, com metrópoles cosmopolitas como o Rio de Janeiro e São Paulo", diz Cozatti.
O crítico afirma "respeito e admiração pelo trabalho do [Leon] Cakof [na Mostra de São Paulo] e do pessoal do Festival do Rio". "É estimulante para nós, cinéfilos."
Mas a escolha dos cineastas brasileiros em favor do Rio (ou de São Paulo) não esvazia a mostra de Gramado? "Certamente", diz o organizador. "Neste sentido, fico apreensivo de não ver renovação em Gramado, mas, lamentavelmente, não é essa a expectativa manifestada pela maioria da cidade, que está contente com o andamento atual."
Os dois recentes vencedores de Gramado (16/8 a 21/8), "Vida de Menina", de Helena Solberg, e "Filhas do Vento", de Joel Zito Araújo, que receberam seis Kikitos cada um, voltam a competir entre si na "Première Brasil" do Festival do Rio. Ambos ainda não têm lançamento agendado.
O diretor do Festival de Brasília, Fernando Adolfo, acredita que a mostra do Distrito Federal continua sendo "uma vitrine" para a produção brasileira. "No Rio, você tem 300 filmes. É uma loucura. Brasília, por ser enxuto, com apenas seis filmes, todos acabam recebendo destaque maior", afirma.
Sobre o desempenho posterior dos vencedores nas bilheterias, Adolfo argumenta que "o problema está muito ligado à distribuição dos filmes de arte brasileiros, que não encontram tela e demoram muito a ser lançados". A distância entre o prêmio recebido e o lançamento nos cinemas faz com que "se perca um pouco" o efeito de divulgação proporcionado pelo festival, segundo o diretor de Brasília.
Ilda Santiago, diretora do Festival do Rio, diz que "é importante, nesse caldeirão de 300 filmes, que o cinema brasileiro tenha um lugar de honra e que o festival possa servir de instrumento para ele", mas ressalta não ter "a menor intenção de interferir no papel de Gramado e de Brasília, que têm uma tradição e uma história".
Além dos citados, estão disputa: "Feminices" (Domingos Oliveira), "Nina" (Heitor Dhalia), "Ódiquê" (Felipe Joffily) e "Subterrâneos" (José Eduardo Belmonte).


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