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LITERATURA
Novo romance do escritor explora a vida de Lindbergh e possíveis conseqüências de sua vitória contra Roosevelt
Philip Roth imagina EUA pró-nazismo
MIKICHO KAKUTANI
DO "NEW YORK TIMES"
Ao longo de sua carreira, Philip
Roth sempre imaginou destinos
alternativos para personagens
que se assemelham muito a ele
próprio: garotos inteligentes e
sensíveis que crescem e se tornam
homens repletos de conflitos e
inibições, divididos entre o dever
e o desejo, a ânsia de fazer parte de
algo maior e a urgência da revolta.
Em seu novo romance, o provocador, mas desigual "The Plot
Against America" (O Complô
Contra a América), Roth procura
imaginar um destino alternativo
para os Estados Unidos, estando
em jogo os trunfos mais importantes possíveis. E se, pergunta, o
ás da aviação Charles A. Lindbergh (que, na vida real, reunia
sentimentos anti-semitas com
política isolacionista) tivesse derrotado Franklin D. Roosevelt na
eleição de 1940, e instituísse uma
agenda política pró-nazista?
É claro que esse tipo de ficção
histórica não chega a constituir
novidade. Em "It Can't Happen
Here" (Não Pode Acontecer
Aqui), Sinclair Lewis retratou os
EUA como ditadura fascista governada por um demagogo da
Nova Inglaterra. Em "The Man in
the High Castle" (O Homem do
Castelo Alto), Philip K. Dick criou
uma imaginária América sob
ocupação japonesa e nazista, onde a escravidão teria voltado a ser
legal, e os judeus se esconderiam
por trás de nomes falsos.
O que diferencia o pesadelo histórico imaginado por Roth desses
outros livros é o fato de ser narrado por um menino chamado Philip Roth, e de descrever as conseqüências de um governo anti-semita para o cotidiano dos membros de uma família americana
comum, que, por acaso, é judaica.
Mas, enquanto as partes do livro que falam da fictícia família
Roth realizam um trabalho discreto -e, por vezes, profundamente comovente- de mostrar
com quanta violência os acontecimentos públicos podem interferir
no âmbito privado, em nenhum
momento o livro convence o leitor a ignorar que, em 1940, Roosevelt conquistou seu terceiro mandato presidencial e que o nazismo
não triunfou nos Estados Unidos.
Essa falha de convencimento se
deve em grande medida ao fato de
que o romance é baseado não no
desenlace de uma guerra, mas na
produção, pelo aparato social de
um país, de um resultado muito
diferente daquele que de fato
aconteceu e da relutância de Roth
em imaginar como e porque isso
poderia ter acontecido.
Embora o autor tente, como nos
romances de sua "Trilogia Americana", fazer uma imagem ampla
dos Estados Unidos, criando uma
parábola sobre a perda da inocência e o custo do "enlouquecer do
americano nativo", "The Plot
Against America" se apressa a
chegar a um final despropositado,
embora inteligente.
A história transcorre numa paisagem política que parece ser de
uma história de quadrinhos, algo
que poderia funcionar no cinema
ou num romance satírico, mas
que parece estranhamente tênue
aqui, especialmente quando o primeiro plano é ocupado por personagens tão realistas e psicologicamente convincentes quanto os
membros da família Roth.
Na atual era Bush, "The Plot
Against America" é um romance
que pode ser lido ou como aviso
quanto ao perigo do isolacionismo ou advertência quanto aos perigos da Lei Patriota e a ameaça às
liberdades civis. Mas também pode ser lido como uma tentativa
não inteiramente bem-sucedida
de fundir dois gêneros incompatíveis: o thriller político-histórico e
a história sobre amadurecimento
pessoal de seus personagens.
A família Roth descrita no livro
é, sob muitos aspectos, a mesma
que o autor apresentou em "The
Facts" (1988) e em seu livro de
memórias "Patrimony" (1991): o
jovem Philip, ainda "a criança
bem comportada, obediente em
casa e na escola"; seu irmão,
Sandy, alguns anos mais velho e já
um artista de talento; a mãe sempre atenta e devotada, Bess, e o pai
corajoso e persistente, Herman,
um homem que seu filho certa vez
descreveu como dotado de "noções absolutamente totalitárias
sobre o bom e o mau."
Em "The Facts", Roth escreveu
sobre sua infância idílica em Newark: embora a Segunda Guerra
fosse uma ameaça, era distante e
abstrata, e o jovem Philip sentia
que seu mundo era "um reduto
tão seguro e pacífico para mim
quanto sua comunidade rural seria para um garoto de fazenda em
Indiana". A família era "um reduto contra qualquer ameaça, desde
o isolamento pessoal até a hostilidade dos não judeus".
Em "The Plot Against America", tudo isso mudou. Com Lindbergh na Casa Branca e a violência
anti-semita nas ruas, Philip de repente vê seus pais assustados e incapazes de protegê-lo. Ele ouve falar de amigos e vizinhos que fogem para o Canadá e vê outros
sendo obrigados a mudar-se, sob
um programa de transferência
imposto pelo governo.
As cenas da família Roth em casa são intercaladas com longos relatos sobre a presidência pró-Hitler de Lindbergh (extrapolados
exageradamente a partir de relatos historicamente documentados sobre declarações anti-semitas do Lindbergh real e de seu envolvimento no isolacionista movimento América Primeiro).
Lê-se que Lindbergh assinou
acordos com a Alemanha nazista
e o Japão imperial, que o radialista
Walter Winchell tornou-se o adversário mais expressivo do presidente e que tumultos anti-semitas
eclodiram em todo o país.
A razão secreta por trás dos atos
de Lindbergh é apresentada aos
leitores de maneira abrupta, sem
cerimônia, e o romance como um
todo também chega a um final
abrupto que apenas realça a astúcia descuidada das projeções históricas de Roth.
O verdadeiro drama no livro
não diz respeito à Presidência de
Lindbergh ou à Segunda Guerra
Mundial, mas ao impacto desses
fatos tremendos sobre a família
Roth e sobre a consciência do Philip menino. O drama consiste nele
vendo sua mãe assustada, mas corajosa, tentando manter sua família em segurança, diante de fatos
que estão totalmente fora de seu
controle, e em assistir a seu pai furioso, mas determinado, tentando conciliar suas expectativas em
relação ao mundo com uma realidade nova e terrível.
No final, este livro procura vincular as preocupações pessoais de
boa parte da ficção da primeira fase de Philip Roth com o quadro
histórico abrangente de sua trilogia americana.
Se o olhar telescópico lançado
sobre os EUA em "The Plot
Against America" não possui a
verossimilhança e a observação
social aguda encontradas em
"Pastoral Americana" e "A Marca
Humana", o olhar microscópico
voltado à família Roth não deixa
de nos oferecer um vislumbre íntimo do encontro difícil de uma
família com a história.
Tradução de Clara Allain
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