São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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Tunga reivindica modelo brasileiro de expressão

JANAINA ROCHA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Tunga expõe a partir de amanhã duas inéditas "instalações-laboratórios investigativos", "Afinidades Eletivas" e "Laminadas Almas", que terão na abertura performances -em uma delas ele será personagem atuante. As obras ainda inauguram um novo espaço, um braço da Galeria Milan Antonio, na Vila Madalena.
Sobre a exposição, a descrição é um risco. Em "Laminadas Almas", a idéia de um laboratório de investigação. Dele fazem parte moscas, rãs, um músico, sons. E Tunga participa como um desses animais. Já "Afinidades Eletivas", que ficará no térreo da galeria, é uma peça teórica. "É uma teoria da sexualidade, transfigurada por esses elementos. Na performance isso se definirá claramente", explica o artista.
Com essas obras, Tunga volta à cidade depois de uma ausência de mais de dois anos, quando em 2001 abriu as atividades do CCBB manifestando sua discordância sobre o significado do resgate e da recuperação do centro da cidade, opondo-se àquela política cultural. E suas discordâncias persistem em outros campos, e não somente no plano da afirmação de sua poética contundente.
"As artes plásticas brasileiras, ao contrário do que o nosso ministro da Cultura atesta, representam o Brasil talvez tão ou mais intensamente do que a música", começa.
Tunga parte de afirmações do ministro de quando ele anunciou a discussão sobre a democratização da arte contemporânea brasileira, proposta na forma de plano, em abril (e que ganhará novos contornos a partir da Bienal). "Li que ele diz que as artes plásticas contemporâneas no Brasil equivalem e obedecem a um modelo internacional, algo que não correspondia a uma brasilidade. Gostaria de saber o que é brasilidade? Como, se ele reivindica a África como território musical irmão da produção musical dele?"
Para Tunga é evidente o fato de que o Brasil produziu a partir do modelo da tradição da arte moderna européia uma "diferença contundente" no circuito do pensamento das artes visuais. Essa diferença se daria, em síntese, com o neoconcretismo brasileiro, em que o modelo construtivista dos russos, especialmente na figura de Malevitch, foi aqui radicalizado ainda mais. "O corpo se infiltrou, a música também, nesse interior da construção da visualidade. A dança, também. Se a idéia era dizer o máximo possível com o mínimo, a gente alargou esse hiato."
Mas essa não seria uma volta de uma discussão dos anos 50, quando se buscava, no meio de uma crise, abrir caminho para a superação no processo de produção de uma arte local? "Isso não nasce do acaso. Em arte, quem não é filho de ninguém, é filho da puta. Essa diferença que criamos a partir disso surge por causa de uma herança barroca que não é nacional. E na América, no Brasil, obteve uma especificidade que a enriqueceu. Gente como Glauber Rocha, Flávio de Carvalho, Villa-Lobos nos deram perspectivas no sentido não só da produção, mas no da produção teórica, de suportes para que afirmações estéticas se tornassem contundentes."
Tunga mora no Rio, mas divide parte do seu ano entre os circuitos internacionais. Segundo ele, não foi uma escolha. "Não minha. É uma escolha das opções culturais que têm sido feitas pelos órgãos e instituições brasileiras. Escolhas que fizeram com que artistas como eu, (Artur) Barrio, Cildo Meireles tivessem que de uns 20 anos para cá procurar um espaço que pudesse acolher e investir na possibilidade do tipo de obra que queremos realizar. Estamos quase sempre submetidos a uma política cultural benevolente", fala.
Embora Tunga reivindique locais para obras que buscam um espaço público, ele também afirma que elas encontram fora do Brasil uma compreensão. "O mundo está se "brasilianisando". As imigrações na Europa, a realidade cultural miscigenada que a Europa e os EUA têm de lidar... A tradição brasileira nesse sentido é centenária e mostra uma reflexão positiva de como lidar com esse sintoma do mundo."


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