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Tunga reivindica modelo brasileiro de expressão
JANAINA ROCHA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Tunga expõe a partir de amanhã
duas inéditas "instalações-laboratórios investigativos", "Afinidades Eletivas" e "Laminadas Almas", que terão na abertura performances -em uma delas ele será personagem atuante. As obras
ainda inauguram um novo espaço, um braço da Galeria Milan
Antonio, na Vila Madalena.
Sobre a exposição, a descrição é
um risco. Em "Laminadas Almas", a idéia de um laboratório de
investigação. Dele fazem parte
moscas, rãs, um músico, sons. E
Tunga participa como um desses
animais. Já "Afinidades Eletivas",
que ficará no térreo da galeria, é
uma peça teórica. "É uma teoria
da sexualidade, transfigurada por
esses elementos. Na performance
isso se definirá claramente", explica o artista.
Com essas obras, Tunga volta à
cidade depois de uma ausência de
mais de dois anos, quando em
2001 abriu as atividades do CCBB
manifestando sua discordância
sobre o significado do resgate e da
recuperação do centro da cidade,
opondo-se àquela política cultural. E suas discordâncias persistem em outros campos, e não somente no plano da afirmação de
sua poética contundente.
"As artes plásticas brasileiras, ao
contrário do que o nosso ministro
da Cultura atesta, representam o
Brasil talvez tão ou mais intensamente do que a música", começa.
Tunga parte de afirmações do
ministro de quando ele anunciou
a discussão sobre a democratização da arte contemporânea brasileira, proposta na forma de plano,
em abril (e que ganhará novos
contornos a partir da Bienal). "Li
que ele diz que as artes plásticas
contemporâneas no Brasil equivalem e obedecem a um modelo
internacional, algo que não correspondia a uma brasilidade.
Gostaria de saber o que é brasilidade? Como, se ele reivindica a
África como território musical irmão da produção musical dele?"
Para Tunga é evidente o fato de
que o Brasil produziu a partir do
modelo da tradição da arte moderna européia uma "diferença
contundente" no circuito do pensamento das artes visuais. Essa diferença se daria, em síntese, com o
neoconcretismo brasileiro, em
que o modelo construtivista dos
russos, especialmente na figura de
Malevitch, foi aqui radicalizado
ainda mais. "O corpo se infiltrou,
a música também, nesse interior
da construção da visualidade. A
dança, também. Se a idéia era dizer o máximo possível com o mínimo, a gente alargou esse hiato."
Mas essa não seria uma volta de
uma discussão dos anos 50, quando se buscava, no meio de uma
crise, abrir caminho para a superação no processo de produção de
uma arte local? "Isso não nasce do
acaso. Em arte, quem não é filho
de ninguém, é filho da puta. Essa
diferença que criamos a partir
disso surge por causa de uma herança barroca que não é nacional.
E na América, no Brasil, obteve
uma especificidade que a enriqueceu. Gente como Glauber Rocha, Flávio de Carvalho, Villa-Lobos nos deram perspectivas no
sentido não só da produção, mas
no da produção teórica, de suportes para que afirmações estéticas
se tornassem contundentes."
Tunga mora no Rio, mas divide
parte do seu ano entre os circuitos
internacionais. Segundo ele, não
foi uma escolha. "Não minha. É
uma escolha das opções culturais
que têm sido feitas pelos órgãos e
instituições brasileiras. Escolhas
que fizeram com que artistas como eu, (Artur) Barrio, Cildo Meireles tivessem que de uns 20 anos
para cá procurar um espaço que
pudesse acolher e investir na possibilidade do tipo de obra que
queremos realizar. Estamos quase
sempre submetidos a uma política cultural benevolente", fala.
Embora Tunga reivindique locais para obras que buscam um
espaço público, ele também afirma que elas encontram fora do
Brasil uma compreensão. "O
mundo está se "brasilianisando".
As imigrações na Europa, a realidade cultural miscigenada que a
Europa e os EUA têm de lidar... A
tradição brasileira nesse sentido é
centenária e mostra uma reflexão
positiva de como lidar com esse
sintoma do mundo."
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