São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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DEBATE

Filósofo, poeta e compositor diz no seminário "O Silêncio dos Intelectuais" que não vai haver mais progresso artístico

Antonio Cicero afirma que a vanguarda já acabou

DA SUCURSAL DO RIO

Despido da condição de poeta e compositor, Antonio Cicero participou do seminário "O Silêncio dos Intelectuais", anteontem, no Rio, como filósofo que também é. Concentrou-se nos pensamentos de Descartes e Heidegger para tratar, principalmente, da modernidade e seus relativismos.
Cicero dissecou o "penso, logo existo" de Descartes para mostrar que a frase, fundadora da metafísica moderna, transforma em absoluto a dúvida que os homens têm em relação a si mesmos e às coisas, deixando livre o campo das contingências, no qual cabem os pensamentos e as criações artísticas, estes sim relativos.
"Tudo o que pertence ao domínio ôntico [das coisas] é relativo, particular e afirmativo, enquanto a esfera ontológica [do ser] é do absoluto, do negativo", disse ele, na Maison de France.
Por "negativo", entenda-se aquilo que nega a possibilidade totalitária de a dúvida cessar e aceita a convivência de todas as "positividades", entre elas as obras de arte. Cicero partiu dessa idéia para, já quando respondia a perguntas da platéia, explicar, com alguma ironia, por que não mistura o poeta com o filósofo.
"A filosofia é séria, chata, diferente da poesia. O grande filósofo-artista foi Nietzsche. Heidegger, nas vezes em que tentou, acho que ficou kitsch. Um poema é compatível com todos os outros que existem. Já os filósofos vivem intrincados, tentando quase destruir uns aos outros, porque filosofias como as de Descartes e Heidegger não são compatíveis mesmo", afirmou.
Também na conversa com o público, Cicero ratificou algo que falara de passagem na palestra: "A vanguarda chegou ao fim".
"Admiro muitos artistas que se dizem de vanguarda, mas acho essa autodenominação um equívoco. A vanguarda cumpriu seu papel cognitivo, mostrou que podemos usar qualquer forma, que um poeta pode escrever um soneto, versos livres ou como quiser. Mas, hoje, já sabemos disso. Não vai haver progresso artístico. Não surgirá um poeta melhor do que Homero, Dante ou Shakespeare. Então, o processo cognitivo da vanguarda chegou ao seu limite."
Cicero afirmou que, etimologicamente, a palavra "modernidade" está ligada a "agora", as coisas que acontecem no momento, o que faz, para ele, que a expressão "pós-modernidade" não faça sentido. Entendido como um cenário do indivíduo livre, o relativismo da chamada "sociedade pós-moderna" seria, na verdade, uma vitória da modernidade, uma "prova de maturidade a que todo ser humano quer chegar".
Na abertura da palestra, Cicero falou especificamente do tema "silêncio dos intelectuais". "A mídia vê o intelectual como mais um formador de opinião, igual a uma socialite, a um ator, a alguém que se distinga por um ato honrado ou não. A função do filósofo é produzir conhecimento", disse ele, para quem "o intelectual, como todo mundo, deve abrir a boca quando tiver algo para falar".


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