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RAP
Cantor causa constrangimento na rede NBC ao criticar George W. Bush em evento
Hedonista, Kanye West foge dos clichês do hip hop americano
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Kanye West abriu a janela e
mostra ao rap mainstream
um novo mundo, para além dos
discursos sexistas, das exibições
de fama e dinheiro e das bravatas.
A pista já estava sendo dada há
algumas semanas, quando boa
parte das faixas de "Late Registration" aterrissou na internet. Agora que o CD chegou mesmo, dá
para dizer que é, ao lado de "The
Cookbook", de Missy Elliott, o álbum hip hop do ano .
As rimas de West expandem as
delimitações temáticas de 50
Cent, The Game e, ultimamente,
Eminem, e suas producões são
tão avançadas quanto as de Neptunes e Timbaland. West não
quer e não precisa ficar batendo
na tecla de quantos tiros tomou
ou de como foi dura sua infância.
Nascido em Atlanta há 27 anos,
ele é filho de Ray West, ex-membro dos Panteras Negras e fotojornalista, e de uma professora de inglês e hoje, mesmo sem ser um
dos blockbuster em vendagem de
discos (pelo menos até agora) está
na lista das cem pessoas mais influentes no mundo, feita pela revista "Time". Antes de encarar os
microfones, West era produtor de
faixas de Jay-Z, Alicia Keys etc.
Seu primeiro álbum, "The College Dropout" (2004), vendeu
mais de 2 milhões de cópias. "Late
Registration" já ultrapassou a
marca do milhão de unidades
apenas nos EUA, desde que foi
lançado, no começo do mês.
West é um dos poucos rappers
que deixou a pose -e o discurso
pronto- de lado para criticar o
presidente George W. Bush. Numa premiação da rede NBC, no
começo do mês, organizada para
levantar fundos para as vítimas
do furacão Katrina, vários artistas
foram convocados para cantar ou
para falar sobre o impacto do episódio. Entre eles, Kanye West.
Colocaram o rapper para falar
ao lado do comediante e ator Mike Myers. A fala dos dois estava
num teleprompter, e Myers seguia a cartilha. West saiu do planejado: "Odeio o jeito com que
somos vistos pela mídia. Se mostram uma família negra, dizem
"estão roubando'; quando mostram uma família branca, dizem
"estão procurando por comida". E
se estão demorando todo esse
tempo para ajudar, é porque são
famílias negras. George Bush não
está nem aí para os negros."
A coisa pegou nos EUA. A NBC
se desculpou pelo ocorrido, dizendo que não teve nada a ver
com os comentários de West, e
várias publicações conservadoras, que tradicionalmente apóiam
Bush, criticaram o rapper. Não fora a primeira vez que ele disse algo
polêmico. Durante o Live 8, afirmou que a Aids "é uma doença
criada pelo homem e disseminada propositalmente na África, da
mesma forma que disseminaram
o crack na comunidade negra".
"Late Registration" não é nenhuma metralhadora contra o
sistema; é, ao contrário, hedonista, meio sacana, mas traz algumas
incisões sociais. Em "Diamonds
from Sierra Leone", fala sobre a
guerra civil e as matanças causadas pela extração de diamantes
em Serra Leoa. Usa sample de
"Diamonds Are Forever", de
Shirley Bassey, e constrói uma das
mais sensacionais batidas de rap
dos últimos tempos. Para "Gold
Digger", chamou Jamie Foxx, que
interpretou Ray Charles em
"Ray". E fez Foxx cantar Ray
Charles. E em cima da voz de
Foxx/Ray, solta a sua voz. Canção
definitiva. "Crack Music" serve
para expor como o crack afeta jovens dos EUA, e Brandy empresta
sua voz para "Bring Me Down".
West não é dos mais cativantes
MCs do hip hop, não é um Eminem ou Tupac; suas armas não
são a voz e o carisma, mas a capacidade de formatar batidas irresistíveis utilizando pequenos
samples de faixas antigas, sobrepondo barulhos e climas numa
mesma canção. É álbum capaz de
transformar qualquer um em fã
de rap. Porque se este disco não o
fizer, nenhum outro fará.
Late Registration
Artista: Kanye West
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 35, em média
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