São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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RAP

Cantor causa constrangimento na rede NBC ao criticar George W. Bush em evento

Hedonista, Kanye West foge dos clichês do hip hop americano

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Kanye West abriu a janela e mostra ao rap mainstream um novo mundo, para além dos discursos sexistas, das exibições de fama e dinheiro e das bravatas.
A pista já estava sendo dada há algumas semanas, quando boa parte das faixas de "Late Registration" aterrissou na internet. Agora que o CD chegou mesmo, dá para dizer que é, ao lado de "The Cookbook", de Missy Elliott, o álbum hip hop do ano .
As rimas de West expandem as delimitações temáticas de 50 Cent, The Game e, ultimamente, Eminem, e suas producões são tão avançadas quanto as de Neptunes e Timbaland. West não quer e não precisa ficar batendo na tecla de quantos tiros tomou ou de como foi dura sua infância.
Nascido em Atlanta há 27 anos, ele é filho de Ray West, ex-membro dos Panteras Negras e fotojornalista, e de uma professora de inglês e hoje, mesmo sem ser um dos blockbuster em vendagem de discos (pelo menos até agora) está na lista das cem pessoas mais influentes no mundo, feita pela revista "Time". Antes de encarar os microfones, West era produtor de faixas de Jay-Z, Alicia Keys etc.
Seu primeiro álbum, "The College Dropout" (2004), vendeu mais de 2 milhões de cópias. "Late Registration" já ultrapassou a marca do milhão de unidades apenas nos EUA, desde que foi lançado, no começo do mês.
West é um dos poucos rappers que deixou a pose -e o discurso pronto- de lado para criticar o presidente George W. Bush. Numa premiação da rede NBC, no começo do mês, organizada para levantar fundos para as vítimas do furacão Katrina, vários artistas foram convocados para cantar ou para falar sobre o impacto do episódio. Entre eles, Kanye West.
Colocaram o rapper para falar ao lado do comediante e ator Mike Myers. A fala dos dois estava num teleprompter, e Myers seguia a cartilha. West saiu do planejado: "Odeio o jeito com que somos vistos pela mídia. Se mostram uma família negra, dizem "estão roubando'; quando mostram uma família branca, dizem "estão procurando por comida". E se estão demorando todo esse tempo para ajudar, é porque são famílias negras. George Bush não está nem aí para os negros."
A coisa pegou nos EUA. A NBC se desculpou pelo ocorrido, dizendo que não teve nada a ver com os comentários de West, e várias publicações conservadoras, que tradicionalmente apóiam Bush, criticaram o rapper. Não fora a primeira vez que ele disse algo polêmico. Durante o Live 8, afirmou que a Aids "é uma doença criada pelo homem e disseminada propositalmente na África, da mesma forma que disseminaram o crack na comunidade negra".
"Late Registration" não é nenhuma metralhadora contra o sistema; é, ao contrário, hedonista, meio sacana, mas traz algumas incisões sociais. Em "Diamonds from Sierra Leone", fala sobre a guerra civil e as matanças causadas pela extração de diamantes em Serra Leoa. Usa sample de "Diamonds Are Forever", de Shirley Bassey, e constrói uma das mais sensacionais batidas de rap dos últimos tempos. Para "Gold Digger", chamou Jamie Foxx, que interpretou Ray Charles em "Ray". E fez Foxx cantar Ray Charles. E em cima da voz de Foxx/Ray, solta a sua voz. Canção definitiva. "Crack Music" serve para expor como o crack afeta jovens dos EUA, e Brandy empresta sua voz para "Bring Me Down".
West não é dos mais cativantes MCs do hip hop, não é um Eminem ou Tupac; suas armas não são a voz e o carisma, mas a capacidade de formatar batidas irresistíveis utilizando pequenos samples de faixas antigas, sobrepondo barulhos e climas numa mesma canção. É álbum capaz de transformar qualquer um em fã de rap. Porque se este disco não o fizer, nenhum outro fará.


Late Registration
    
Artista: Kanye West
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 35, em média


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