São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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"DOUTORES DA ALEGRIA"

Filme mostra trajetória dos artistas que visitam crianças em hospitais do Rio, SP e Recife

Mourão mostra a esperança "atrás do nariz" do palhaço

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mal terminara de lançar "Avassaladoras", em fevereiro de 2002, a diretora Mara Mourão passou a se dedicar a um novo projeto, bem distinto da comédia que apresentava ao público: contar, num documentário de longa-metragem, a história dos Doutores da Alegria, o grupo de palhaços criado em 1991 por seu marido, o ator Wellington Nogueira, que há 14 anos leva humor e esperança para crianças internadas em dez hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
"O Wellington chegava em casa contando as histórias do grupo, e eu pensava: "Isso dá um filme!", diz Mourão, que também assina o roteiro do longa. "O que me assustava é que eu não queria macular a imagem de uma organização tão respeitada, um projeto já tão consolidado. Tinha medo de fazer um filme do tipo "já ganhou". Mas acho que ele passa a seriedade e o comprometimento dos artistas."
Premiado como melhor filme no Festival de Cinema Brasileiro de Nova York deste ano e vencedor de dois Kikitos no último Festival de Gramado (prêmio especial do júri e do júri popular), "Doutores da Alegria" foi rodado entre 2002 e 2003, inicialmente com as visitas a seis dos hospitais, públicos e privados, freqüentados pelos "besteirologistas", como se apelidam, em São Paulo e no Rio. Depois, foram inseridos os depoimentos dos palhaços, recolhidos na praia, num parque etc.
"Foi de propósito. Quis levá-los a lugares diferentes para mostrar como eles são pessoas normais, que, sem maquiagem, gostam de jogar futebol, de andar de bicicleta etc. Acho que funciona bem com o público, porque torna o documentário mais dinâmico", sustenta a diretora, que ainda tem pelo menos 90 minutos de material "do mesmo nível do filme" para os extras do futuro DVD.

Olhares
Mourão diz que não queria, no entanto, limitar-se a contar a trajetória do grupo, já objeto de um bocado de estudos e livros. Com "Doutores da Alegria", ela quis mostrar o que acontece "atrás do nariz", ou seja, no cotidiano de 22 dos 37 artistas do grupo. Investigar que reação os palhaços encontrariam em outros lugares onde os "sentidos estão no limite", como a Bolsa de Valores e o Mercado Municipal de São Paulo. E examinar o arquétipo do palhaço, segundo ela, bem anterior à criação do próprio circo.
"O circo existe há apenas uns 300 anos, enquanto que a idéia do palhaço está aí há milênios, vem desde os pajés, dos bobos, que eram uma espécie de ombudsman da corte, porque podiam criticá-la sem sofrer censura", sugere a diretora.
Mourão aponta ainda que o filme, partindo da história dos Doutores da Alegria, fala do olhar do palhaço, do olhar subversivo da criança no corpo do adulto.
"É uma maneira de enxergar a realidade por outros ângulos. Entrar num lugar onde só se vê adversidade e enxergar um balcão de pizzaria num balcão de enfermaria", diz a diretora, citando uma das peripécias dos palhaços para tirar do ombro das crianças, com um sorriso, o peso da rotina hospitalar.
A propósito, muitas das tais peripécias também foram registradas por Mourão. E, através de cada visita filmada, entende-se como trabalham os palhaços, improvisando boa parte do tempo, de acordo com a recepção e reação das crianças; fazendo piadas com situações da internação, como na hora em que o Dr. Zinho (Nogueira), com um grande osso na mão, avisa a uma criança que a anestesia não vai doer nada. Nada nele, arremata.
"Algumas pessoas podem não querer ver, imaginando que é um filme triste, mas não é. Sai-se do cinema com uma nota de esperança", defende Mourão, que espera de seu documentário, cuja renda de bilheteria será destinada à ONG, um alcance ainda maior.
"Se ele tiver uma força de inspiração para outras pessoas realizarem trabalhos sociais, o filme terá cumprido mais do que o papel inicial. E eu vou ficar muito feliz."


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