São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2010

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comida

Nada do mundo dos restaurantes me interessa, diz Ferran Adrià

Chef mais importante do mundo conta à Folha como vai transformar seu El Bulli em uma fundação

Para Adrià, sua missão agora é criar e buscar nesse novo "museu" os limites que existem na cozinha

Fotos Jeronimo Giorgi/Folhapress
Na cozinha do El Bulli trabalham 45 pessoas; lá não existe cardápio, é servido um menu único, alterado a cada três meses

DO ENVIADO A ROSES

Entre as coisas que desagradam Ferran Adrià, uma certamente é o ataque do chef espanhol Santi Santamaria, para quem os produtos usados na cozinha criativa podem fazer mal à saúde -acusação não respaldada por autoridades sanitárias. "Isso sempre me chateou. A vanguarda sempre atira contra a vanguarda. É um absurdo", diz Adrià. Mas o entusiasmo com outros temas, como a importância da cozinha, faz com que ele coma ainda mais palavras na sua já acelerada dicção.
(ROBERTO DIAS)

Folha - Muita gente pensa: "Como o melhor restaurante do mundo não pode se manter?"
Ferran Adrià
- A coisa é entender que isso é um restaurante. Um restaurante que fecha seis meses, que só abre pela noite, não é um modelo.

Por que não subir os preços?
Porque a missão aqui não é fazer negócio. É criar. Esse é um lugar em que buscamos os limites que existem na cozinha. Até agora era um restaurante, formalmente. Esse cenário já não nos vale.
Chegamos ao limite de experiência em relação ao ir-comer-no-Bulli. Limite de experiência, não de cozinha. Tínhamos que dar um salto.
Tudo o que existe ao redor do mundo dos restaurantes não me interessa. Nem os guias nem as classificações. É passado. Estou orgulhoso de ter ganhado prêmios. Mas já não é a minha guerra.

O que o sr. pensou quando o Bulli caiu para segundo do mundo?
O raro era ganhar cinco anos. [O tenista Rafael] Nadal sim pode ganhar cinco anos: se ele ganhar, ganhou. Isso aqui é subjetivo. Você imagina alguém ganhar cinco Oscars seguidos? É impossível. No segundo ano vão querer que ganhe outro. Eu só classifico os cozinheiros por criatividade.

A criatividade é não copiar [frase que Adrià ouviu do chef francês Jacques Maximin em 1987]. Mas ainda é possível não copiar nada?
É questão de honestidade. Seríamos imbecis se pensássemos que nossa geração é a última que vai fazer coisas. Graças a Deus os humanos sempre foram para a frente.

Que importância tem a chegada da cozinha a Harvard?
Muita gente passa fome. A fome tem uma conotação muito social. Social demais para que entre como um conhecimento. Não nos imaginamos na África falando que a cozinha vai entrar na universidade. É injusto, porque há muitas coisas menos importantes que são estudadas, enquanto isso [comer] é algo que fazemos todos os dias.

O sr. disse ao "El País": "Quero que as pessoas entendam que essas coisas tão diferentes que preparamos servem para algo mais do que dar de comer". Que é esse algo mais?
Ver a mim em Harvard não significa que esteja fazendo cozinha. Significa todas as coisas que existem por trás.
Ninguém discute que o Brasil é a terra do futebol. Quanto vale isso para o Brasil? Se o Brasil é o número um na criação de canários, está bem, mas ser o número um no futebol... Em algo como a cozinha, que a Espanha seja o país para onde olham as pessoas, isso não tem preço.

Muitas das coisas inventadas na F-1 chegaram às pessoas "normais". E na cozinha?
Passa mais pelo pensamento que pelas técnicas. A vontade de comer bem. Na Espanha isso mudou de forma incrível. No Brasil está acontecendo. Quantas pessoas na Espanha veem um Barça x Madrid pagando? Um milhão, se tanto. Se os restaurantes fossem grátis, quantas pessoas iriam? Milhões. Tudo é relativo.

O que é uma boa comida?
É a comida de que você goste. O nível máximo é uma experiência em torno da comida. Não é apenas bom. Há um ponto em que faz clique e você diz que não é bom, que é algo mais que bom.


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