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comida
Nada do mundo dos restaurantes me interessa, diz Ferran Adrià
Chef mais importante do mundo conta à Folha como vai transformar seu El Bulli em uma fundação
Para Adrià, sua missão agora é criar e buscar nesse novo "museu"
os limites que existem
na cozinha
Fotos Jeronimo Giorgi/Folhapress
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Na cozinha do El Bulli trabalham 45 pessoas; lá não existe cardápio, é servido um menu único, alterado a cada três meses
DO ENVIADO A ROSES
Entre as coisas que desagradam Ferran Adrià, uma
certamente é o ataque do
chef espanhol Santi Santamaria, para quem os produtos usados na cozinha criativa podem fazer mal à saúde
-acusação não respaldada
por autoridades sanitárias.
"Isso sempre me chateou.
A vanguarda sempre atira
contra a vanguarda. É um absurdo", diz Adrià.
Mas o entusiasmo com outros temas, como a importância da cozinha, faz com que
ele coma ainda mais palavras na sua já acelerada dicção.
(ROBERTO DIAS)
Folha - Muita gente pensa:
"Como o melhor restaurante
do mundo não pode se
manter?"
Ferran Adrià - A coisa é entender que isso é um restaurante. Um restaurante que fecha seis meses, que só abre
pela noite, não é um modelo.
Por que não subir os preços?
Porque a missão aqui não
é fazer negócio. É criar. Esse é
um lugar em que buscamos
os limites que existem na cozinha. Até agora era um restaurante, formalmente. Esse
cenário já não nos vale.
Chegamos ao limite de experiência em relação ao ir-comer-no-Bulli. Limite de experiência, não de cozinha. Tínhamos que dar um salto.
Tudo o que existe ao redor
do mundo dos restaurantes
não me interessa. Nem os
guias nem as classificações.
É passado. Estou orgulhoso
de ter ganhado prêmios. Mas
já não é a minha guerra.
O que o sr. pensou quando o
Bulli caiu para segundo do
mundo?
O raro era ganhar cinco
anos. [O tenista Rafael] Nadal
sim pode ganhar cinco anos:
se ele ganhar, ganhou. Isso
aqui é subjetivo. Você imagina alguém ganhar cinco Oscars seguidos? É impossível.
No segundo ano vão querer
que ganhe outro. Eu só classifico os cozinheiros por criatividade.
A criatividade é não copiar
[frase que Adrià ouviu do chef
francês Jacques Maximin em
1987]. Mas ainda é possível
não copiar nada?
É questão de honestidade.
Seríamos imbecis se pensássemos que nossa geração é a
última que vai fazer coisas.
Graças a Deus os humanos
sempre foram para a frente.
Que importância tem a chegada da cozinha a Harvard?
Muita gente passa fome. A
fome tem uma conotação
muito social. Social demais
para que entre como um conhecimento. Não nos imaginamos na África falando que
a cozinha vai entrar na universidade. É injusto, porque
há muitas coisas menos importantes que são estudadas,
enquanto isso [comer] é algo
que fazemos todos os dias.
O sr. disse ao "El País": "Quero que as pessoas entendam
que essas coisas tão diferentes que preparamos servem
para algo mais do que dar de
comer". Que é esse algo mais?
Ver a mim em Harvard não
significa que esteja fazendo
cozinha. Significa todas as
coisas que existem por trás.
Ninguém discute que o
Brasil é a terra do futebol.
Quanto vale isso para o Brasil? Se o Brasil é o número um
na criação de canários, está
bem, mas ser o número um
no futebol... Em algo como a
cozinha, que a Espanha seja
o país para onde olham as
pessoas, isso não tem preço.
Muitas das coisas inventadas
na F-1 chegaram às pessoas
"normais". E na cozinha?
Passa mais pelo pensamento que pelas técnicas. A
vontade de comer bem. Na
Espanha isso mudou de forma incrível. No Brasil está
acontecendo. Quantas pessoas na Espanha veem um
Barça x Madrid pagando?
Um milhão, se tanto. Se os
restaurantes fossem grátis,
quantas pessoas iriam? Milhões. Tudo é relativo.
O que é uma boa comida?
É a comida de que você
goste. O nível máximo é uma
experiência em torno da comida. Não é apenas bom. Há
um ponto em que faz clique e
você diz que não é bom, que é
algo mais que bom.
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