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29ª MOSTRA DE CINEMA
"Tudo o que é proibido todo mundo gosta"
O cineasta Ivan Cardoso, que adota o lema acima, diz que ele vale até para o referendo de hoje, no qual prevê a vitória do "não"
DA REPORTAGEM LOCAL
A fuga dos estudos e do "cinema esquerdofrênico" e os anos 60
de sexo, drogas e rock'n'roll são
aspectos que o cineasta Ivan Cardoso comenta na entrevista a seguir.
(SILVANA ARANTES)
Folha - Por que o sr. trocou os estudos pelo cinema?
Ivan Cardoso - Nos anos 60 era o
contrário de hoje em dia. O estudante saía na rua para tomar porrada. Hoje, o pessoal da UNE
[União Nacional dos Estudantes]
não recebe dinheiro [para ir protestar]? Para mim, era pouco instigante ser estudante. Para quê?
Para levar porrada da polícia?
Folha - Como o sr. se aproximou
do cinema?
Cardoso - Eu queria ser pintor.
Convidei Helio Oiticica par dar
uma palestra no meu colégio [São
Fernando]. Foi um caos. Ele disse
que, se a gente visse um retrato de
um milico na rua e pichasse a cara
dele com spray-jet, aquilo era
uma obra de arte.
A diretora parou a palestra na
hora e jogou a gente no colo de
Oiticica. Porque tudo o que é
proibido todo mundo gosta, taí o
"não" que vai ganhar [no referendo de hoje sobre a comercialização de armas e munição].
Folha - E quando veio o cinema?
Cardoso - Quando comprei a câmera super-8, passei a ter duas
moedas de troca -a câmera e a
amizade com Helio Oiticica. Dizer que era amigo do Oiticica era
um passaporte com os outros artistas de vanguarda.
Folha - O sr. convivia com a vanguarda artística, mas chama o cinema da época de "esquerdofrênico,
com conteúdo político, nordestino,
de cangaceiro". É uma crítica a
Glauber Rocha [1939-1981]?
Cardoso - A gente era totalmente
underground. Eu fazia esses filmes com dinheiro de mesada.
Dos atores, uma era minha namorada, outras eram amigas, outra
era minha prima e os homens
eram meus melhores amigos. Era
uma continuação da nossa vida,
quase. Uma coisa muito intensa.
Folha - A vida então era sexo, drogas e rock'n'roll.
Cardoso - Como a de todo adolescente nos anos 60.
Folha - E quanto aos "filmes de
cangaceiro"?
Cardoso - Cheguei a ver muitos.
Nosso programa na época era ir à
tarde à Cinemateca do MAM. Era
uma programação muito repetitiva. Estava sempre, como até hoje,
passando os filmes do cinema novo. O cinema brasileiro, infelizmente, parou no cinema novo.
Folha - Quer dizer que o cinema
atual ainda é "esquerdofrênico"?
Cardoso - Hoje em dia nem esquerdofrênico é. Não posso entender porque no Brasil se faz
uma distinção entre arte e comércio. É uma atitude acanhada.
Acho sensacional esse negócio
da [distribuidora] Globo Filmes.
Ajuda muito. Mas, tão importante quanto a Globo Filmes, era o cinema [brasileiro] na Globo. E vamos botar ordem no terreiro: diretor de TV deve fazer melhor filme para TV do que para cinema.
Folha - A quem o sr. refere? Aos
diretores da Globo Guel Arraes,
Luiz Fernando Carvalho, Maurício
Farias?
Cardoso - Já fiquei 13 anos sem
filmar. Hoje em dia tenho que falar tudo genérico. Acho curioso o
fascínio que o cinema exerce sobre diretores de TV, que têm ao
seu dispor um público muito
maior. A gente, se der uma sorte
enorme, atinge 4 milhões de espectadores.
Folha - Que lugar terá em sua
obra o inédito "Um Lobisomem na
Amazônia"?
Cardoso - Esse filme começou
com a adaptação de "Amazônia
Misteriosa", de Gastão Cruls. Ele
o escreveu sem ter ido à Amazônia. Eu também fiz o filme sem ter
ido à Amazônia.
Folha - E aquelas tomadas aéreas
da floresta na abertura do filme?
Cardoso - Compramos aquelas
cenas. Aquilo ali, você não põe,
não, mas acho que é do Xingu
[gargalhadas]. Eu filmei tudo nos
estúdios na Barra da Tijuca e na
Floresta da Tijuca. É o tal negócio,
se o americano vem fazer filme de
Tarzan no Rio, por que eu tenho
que sair do Rio para ir filmar na
Amazônia?
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