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Henri Salvador reata com o Copa
No disco "Révérence", o cantor guianense usa arranjos de Jacques Morelenbaum e conjuga sons brasileiros e africanos
Em 1942, músico veio ao Brasil para temporada de shows no hotel Copacabana Palace, no Rio, mas acabou no palco do Cassino da Urca
VÉRONIQUE MORTAIGNE
DO "MONDE"
O riso de Henri Salvador se
assemelha a um bolo de casamento: piramidal, em crescendo, recoberto de enfeites sonoros, de cascatas ascendentes.
Sempre recém-casado, Henri
Salvador, 89, está lançando
"Révérence", excelente disco.
Ele veste um terno branco,
com uma blusa rosa de gola alta
sob o paletó, Nikes brilhantes
nos pés. Porque mora na place
Vendôme, almoça no vizinho
Ritz. E ri... do risoto, da dama
que fala alto e com sotaque forte em um celular novinho, da
sorte que o levou ao Copacabana Palace, no Rio, onde tomou
uma "desgelada" com Ray Ventura et ses Collégiens, que haviam se refugiado lá nos anos
de ocupação nazista da França.
Sorte, melhor explicar, para
os desocupados e prósperos
freqüentadores do hotel. Porque, em 1942, as burguesas e os
playboys do Copa andavam desanimados. Foram precisos alguns dias, alguns agrados, para
voltar a abrilhantar suas vidas.
Henri Salvador queria partir,
mas um gerente hábil lhe ofereceu um contrato cheio de zeros,
que desapareceram depois da
assinatura. Quebrado, quase falido, ele teve tempo de construir uma reputação, quase
uma lenda, no Cassino da Urca,
até que Ray Ventura lhe enviou
uma passagem para a Europa
via América (do Norte).
Henri Salvador é americano.
Do sul, nascido na Guiana, filho
de um professor e de uma mãe
de origem indígena, amazônica. Por isso, "Révérence" é tremendamente americano-brasileiro, decerto, enquadrado
pela sombra tutelar de Tom Jobim, e afro-americano, inspirado por "Hallelujah! I Love Her
So!", que, na lógica peculiar de
Salvador, se torna "Alléluia! Je
l'ai Dans La Peau". Os arranjos
são marcados por violinos sedosos, em formatos amplos,
grandes orquestrações, uma escolha feita por Henri Salvador
depois de assistir a Caetano Veloso no Théâtre du Châtelet,
em Paris, em 2005. O brasileiro
estava apresentando seu espetáculo "A Foreign Sound", suntuosas releituras de standards
norte-americanos com arranjos de Jacques Morelenbaum.
No mesmo ano, Salvador deixou a gravadora Virgin-EMI e
assinou com a independente
V2. O primeiro sinal do casamento feliz entre Salvador e a
V2: a exigência, acatada, de ter
Morelenbaum como arranjador, e gravar o disco no Rio. E
foi assim que Salvador voltou
ao Copacabana Palace.
"Três semanas de prazer.
Piscina, aperitivos, uma soneca
vespertina, chegar ao estúdio lá
pelas 18h. Um álbum sem sofrimento." O disco tem 13 faixas
porque, atendendo à superstição, tudo na vida de Salvador é
regido pelo 13 -"são 13 letras
no meu nome".
O "senhor Treze" adora contar histórias. Caetano Veloso
chegou ao estúdio, na Barra,
"sofrendo de completo jet lag,
esgotado, descompensado". Vinha de Paris, onde havia cantado em uma cerimônia da Cinemateca Francesa em homenagem a Pedro Almodóvar. "Eu
perguntei quem era aquele maluco, e minha mulher Catherine murmurou que era Veloso."
Droga. Veloso jamais deixou
de cantar "Dans Mon Île", dedicando elegantemente a canção
ao compositor, diante de platéias francesas espantadas para
as quais Salvador não era mais
que um comediante antiquado.
Isso aconteceu antes de
"Chambre Avec Vue", álbum
que vendeu dois milhões de cópias em 2000 e serviu para restabelecer o equilíbrio e expor a
ternura e a suavidade do Salvador de "Dans Mon Île".
Dois segredos
O Brasil o recebeu com festa.
Lula o condecorou em 2006; o
ministro da Cultura, Gilberto
Gil, tomou do violão. Foram-lhe reservados aposentos no
Copacabana Palace, um nome
que faz sonhar. Salvador gravou o disco aos 89 anos, tendo
certamente perdido o alcance
da voz, mas não seu colorido.
Com a idade dele, "as pessoas
tremem", mas ele não.
"Minha mãe me ensinou dois
segredos... Uma receita de ungüento de folhas e ervas contra
mordidas de cobra e..." O segundo ele esqueceu. Mas vai
lembrar quando for velho (risos). Um negro muito velho o
ensinou a procurar ouro na
Guiana. Ele se lembra. A mãe
cantava para ele com uma voz
maravilhosa. Ele compôs "Le
Loup, la Biche et le Chevalier".
Boris Vian comentou que a gíria usada na canção se assemelhava à do jazz, mas com melodias "sedosas". Ele compôs o
"Blues du Dentiste". De tudo isso, aprendeu que "a dúvida segue a certeza de perto".
De seus anos dourados, Salvador regravou "Cherche la Rose" (cantada com Caetano Veloso no novo álbum). Entre as
composições mais novas, há letras de Claude Moine, George
Moustaki e Gisèle Molard. E
Daniel Schmitt, velho amigo de
Cannes que ofereceu a ele
"Mourir à Honfleur", homenagem à escritora Françoise Sagan, morta em 2004.
tradução PAULO MIGLIACCI
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