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31ª Mostra de SP
Crítica/"4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias"
Romeno extrai poesia de tempo sombrio
Cristian Mungiu, vencedor de Cannes, cria trama sobre aborto para mostrar país em crise durante a ditadura de Ceausescu
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Em geral, mencionar que
um filme trata de aborto já seria o bastante
para sugerir as sensações desagradáveis às quais tende a submeter o espectador. No caso de
"4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias",
que recebeu a Palma de Ouro e
o prêmio da crítica de melhor
filme em Cannes neste ano, é
preciso sublinhar essa característica. Perto dele, as abordagens de Claude Chabrol em
"Um Assunto de Mulheres"
(1988) e de Mike Leigh em "O
Segredo de Vera Drake" (2004)
parecem relativamente suaves.
Sublime contraste: tamanha
aridez se inscreve em conjunto
de obras que o diretor e roteirista romeno Cristian Mungiu
batiza de "histórias da era de
ouro", sobre o período de 1965
a 1989, quando a Romênia foi
vítima da ditadura de Nicolae
Ceausescu (tema, na 30ª Mostra, de "Como Festejei o Fim do
Mundo" e "A Leste de Bucareste"). Tempos sombrios de um
estado policial semeando o medo (acompanhado de corrupção) no cotidiano e tutelando a
todos como crianças.
Em sociedade como essa, não
é de estranhar que a frágil Gabita (Laura Vasiliu) ainda se comporte de modo infantil, embora
seja universitária. Um regime
autoritário que isola e "protege", determinando o tempo todo aos cidadãos o que se pode
fazer e como fazer, equivale a
um pai onipresente que impede
os filhos de desenvolver autonomia. O problema de Gabita,
contudo, é bem adulto: ela engravidou e quer abortar.
Em quaisquer circunstâncias, já seria um pesadelo de
bom tamanho. Na Romênia sufocante recriada por Mungiu,
multiplique por dez. O ponto de
vista, no entanto, é o de Otilia
(Anamaria Marinca), companheira de quarto de Gabita no
alojamento estudantil e, ao que
tudo indica, a única amiga na
qual pode confiar. E ponha confiança aí: o que uma leva a outra
a fazer exige muito mais do que
apenas solidariedade.
Ao instalar o espectador ao
lado de Otilia, e não de Gabita,
Mungiu obtém um trunfo considerável, que mantém do início ao fim com notável rigor estético. Afastar o foco narrativo
do pivô dos acontecimentos
serve à potencialização dramática do que não se sabe direito
se está ocorrendo. De quebra,
Otilia carrega seu próprio fardo, que se integra com harmonia, com informações sobre a
"nomenclatura" do regime de
Ceausescu, ao registro cáustico
do tal período "dourado".
Estruturado em longos planos-seqüência, alguns dos
quais com uso potente de elementos que permanecem fora
de quadro, "4 Meses" encontra
no minimalismo dos elementos
em cena outro grande trunfo, a
um só tempo de ordem ética,
preservando a abordagem da
acusação de sensacionalismo
(ainda que uma única cena,
breve, mas impactante, sirva
sozinha para fomentar um bocado de discussão), e também
de ordem estética, buscando
poesia onde ela não parecia capaz de se revelar.
4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS
Direção: Cristian Mungiu
Produção: França/Romênia, 2007
Com: Anamaria Marinca, Laura Vasiliu
Quando: hoje, às 20h, no Unibanco
Arteplex 3; amanhã, às 22h20, no
Cine Bombril 1; e domingo, às
15h20, no Espaço Unibanco 3
Avaliação: ótimo
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