São Paulo, sexta-feira, 23 de outubro de 2009

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Biografia leva leitor à inocência de Simonal

Narrativa desvia cantor do papel de delator de subversivos a órgãos da ditadura

Para construir a história do músico, biógrafo recorreu a documentos inéditos e a mais de 300 entrevistas com cerca de cem personagens


MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma Bíblia, o Código Penal e a Constituição brasileira. Naqueles últimos dias de vida, em abril de 2000, esses eram os livros que Wilson Simonal tinha à cabeceira da cama, no quarto do hospital Sírio-Libanês. Sofrendo de uma cirrose que o fez passar por inúmeras hemorragias e três comas, o cantor ainda mantinha a obsessão por provar que, ao contrário da fama, nunca fora informante da ditadura.
Escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre, a biografia "Nem Vem que Não Tem - A Vida e o Veneno de Wilson Simonal" leva o leitor a acreditar nessa inocência alegada pelo músico. O livro desembaraça um tenebroso novelo de acontecimentos que o tornaram -de um dos artistas mais populares do país na segunda metade dos anos 60- um completo proscrito da nossa "cultura oficial" a partir da década seguinte.
O autor contabiliza ter feito mais de 300 entrevistas com cerca de cem personagens. Recorreu a documentos inéditos, correspondências particulares do artista e materiais do Dops.
Um desses -uma solicitação por escrito de Zonildo Castello Branco, diretor do Dops em 1971, ao "Senhor Chefe do Serviço de Buscas" (veja no quadro à esq.)- tem papel central na narrativa. Ele flagra o exato momento em que Simonal perdeu, sem possíveis recuperações, o controle sobre sua vida. Desconfiado de que o ex-funcionário Raphael Viviani roubara sua empresa, Simonal encomendou a policiais do Dops uma "confissão" -o que foi conseguido à base de tortura nas dependências do próprio órgão de repressão do governo.
O músico conhecia os agentes do Dops há dois anos, desde que havia deposto, como suspeito, a respeito da presença de uma bandeira soviética no cenário de um show (à esq.). O problema é que Viviani deu queixa do espancamento e, quando os jornais noticiaram o fato, os envolvidos tiveram que se explicar. Por que um órgão público -conhecido pelo combate aos "perigos comunistas" que assolavam o país- havia servido a interesses obscuros de um astro da música?
A narrativa costurada no livro leva a crer que, para livrar as próprias caras, os policiais teriam improvisado uma farsa: Viviani seria um possível terrorista denunciado por Simonal. Para dar alguma credibilidade à história, o cantor assinou documento em que se assumia acostumado a "cooperar com informações que levaram esta seção [o Dops] a desbaratar por diversas vezes movimentos subversivos no meio artístico".
Começava ali seu inferno. Ricardo afirma ter entrado na investigação "desconfiando de tudo". Mas, após analisar várias linhas de raciocínio que apontavam Simonal como delator, não encontrou nenhuma que se sustentasse até o fim. No entanto, diz que buscou deslocar o eixo da história do campo político para o pessoal.
"É impossível entender as opções do adulto Simonal sem saber muito bem quem foi a criança, o adolescente Wilson Simonal de Castro", diz. "Ele passou a vida construindo uma biografia que pudesse redimi-lo de ter nascido negro, pobre e feio." Foi assim até a morte.


NEM VEM QUE NÃO TEM - A VIDA E O VENENO DE WILSON SIMONAL

Autor: Ricardo Alexandre
Editora: Globo
Quanto: R$ 39,90 (392 págs.)




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