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Biografia leva leitor à inocência de Simonal
Narrativa desvia cantor do papel de delator de subversivos a órgãos da ditadura
Para construir a história do músico, biógrafo recorreu a documentos inéditos e a mais de 300 entrevistas com cerca de cem personagens
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma Bíblia, o Código Penal e
a Constituição brasileira. Naqueles últimos dias de vida, em
abril de 2000, esses eram os livros que Wilson Simonal tinha
à cabeceira da cama, no quarto
do hospital Sírio-Libanês.
Sofrendo de uma cirrose que
o fez passar por inúmeras hemorragias e três comas, o cantor ainda mantinha a obsessão
por provar que, ao contrário da
fama, nunca fora informante da
ditadura.
Escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre, a biografia "Nem
Vem que Não Tem - A Vida e o
Veneno de Wilson Simonal" leva o leitor a acreditar nessa inocência alegada pelo músico.
O livro desembaraça um tenebroso novelo de acontecimentos que o tornaram -de
um dos artistas mais populares
do país na segunda metade dos
anos 60- um completo proscrito da nossa "cultura oficial" a
partir da década seguinte.
O autor contabiliza ter feito
mais de 300 entrevistas com
cerca de cem personagens. Recorreu a documentos inéditos,
correspondências particulares
do artista e materiais do Dops.
Um desses -uma solicitação
por escrito de Zonildo Castello
Branco, diretor do Dops em
1971, ao "Senhor Chefe do Serviço de Buscas" (veja no quadro
à esq.)- tem papel central na
narrativa. Ele flagra o exato
momento em que Simonal perdeu, sem possíveis recuperações, o controle sobre sua vida.
Desconfiado de que o ex-funcionário Raphael Viviani roubara sua empresa, Simonal encomendou a policiais do Dops
uma "confissão" -o que foi
conseguido à base de tortura
nas dependências do próprio
órgão de repressão do governo.
O músico conhecia os agentes do Dops há dois anos, desde
que havia deposto, como suspeito, a respeito da presença de
uma bandeira soviética no cenário de um show (à esq.).
O problema é que Viviani deu
queixa do espancamento e,
quando os jornais noticiaram o
fato, os envolvidos tiveram que
se explicar. Por que um órgão
público -conhecido pelo combate aos "perigos comunistas"
que assolavam o país- havia
servido a interesses obscuros
de um astro da música?
A narrativa costurada no livro leva a crer que, para livrar
as próprias caras, os policiais
teriam improvisado uma farsa:
Viviani seria um possível terrorista denunciado por Simonal.
Para dar alguma credibilidade à história, o cantor assinou
documento em que se assumia
acostumado a "cooperar com
informações que levaram esta
seção [o Dops] a desbaratar por
diversas vezes movimentos
subversivos no meio artístico".
Começava ali seu inferno.
Ricardo afirma ter entrado
na investigação "desconfiando
de tudo". Mas, após analisar várias linhas de raciocínio que
apontavam Simonal como delator, não encontrou nenhuma
que se sustentasse até o fim.
No entanto, diz que buscou
deslocar o eixo da história do
campo político para o pessoal.
"É impossível entender as
opções do adulto Simonal sem
saber muito bem quem foi a
criança, o adolescente Wilson
Simonal de Castro", diz. "Ele
passou a vida construindo uma
biografia que pudesse redimi-lo de ter nascido negro, pobre e
feio." Foi assim até a morte.
NEM VEM QUE NÃO TEM -
A VIDA E O VENENO DE
WILSON SIMONAL
Autor: Ricardo Alexandre
Editora: Globo
Quanto: R$ 39,90 (392 págs.)
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