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CRÍTICA DRAMA
Raúl Ruiz faz genealogia da paixão desastrada
Em "Mistérios de Lisboa", diretor chileno transforma em obra-prima folhetim do século 19 de Camilo Castelo Branco
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA
A longuíssima duração
-quatro horas e meia!- é
um fator que pode desencorajar o espectador de ver
"Mistérios de Lisboa". Mas
tentarei dar algumas razões
para que o público não desanime da empreitada.
Primeiramente, trata-se de
uma obra-prima, para resumir de imediato o valor deste
longa extraordinário.
O diretor chileno Raúl
Ruiz, 69, chega aqui ao auge
de sua maestria cinematográfica. Tudo no filme se organiza à perfeição, desde a
espantosa construção dos
enquadramentos até a atuação irretocável do elenco.
Além disso, Ruiz conseguiu reunir sua linguagem
intelectual e labiríntica à
fluência própria das narrativas clássicas nesta obra que
pode ombrear outras grandes sagas cinematográficas.
De modo que seguimos a trama com interesse crescente.
"Mistérios de Lisboa" tem
duas versões diversas: uma
para a TV (de cinco horas e
meia), outra para o cinema. A
essência de ambas é a mesma: o folhetim -e, portanto,
a novela ou a minissérie.
O livro de Camilo Castelo
Branco (1825-1890), de onde
nasceu o filme, é ele mesmo
um gigantesco folhetim. A
partir da história de um órfão
ansioso por descobrir sua origem, descortina uma multidão de intrigas que traçam
um infindável panorama da
sociedade oitocentista.
No filme, as histórias também parecem não ter fim. Um
mistério desencadeia outro
mistério e o drama do órfão
se transforma na genealogia
delirante de uma série de paixões desastradas, até o ponto
em que todos os personagens
estão absurdamente implicados entre si.
É uma maneira provocativa de abordar a lógica do folhetim, ressaltando os seus
artifícios ficcionais. Mas não
se deve ver nisso uma tentativa de depreciação do gênero.
Ao contrário. São justamente esses artifícios que interessam ao diretor: a circularidade da intriga, o uso sem
parcimônia de convenções
romanescas e os desafios à
verossimilhança lançados
pela retórica narrativa. Ele
exacerba as astúcias do estilo
folhetinesco, acrescentando-lhe elevado "savoir faire" cinematográfico, além de inteligência analítica.
Não é contra o folhetim
que Ruiz dirige a sua notória
ironia em "Mistérios de Lisboa", mas contra a noção de
livre arbítrio que o filme descreve como a maior de nossas ilusões compartilhadas.
No fundo, por mais que
nos agitemos, lutemos e nos
apaixonemos, tendo a impressão de controlar a nós
mesmos, para Ruiz não passamos de um conjunto de
marionetes à mercê do desígnio misterioso das histórias
neste mundo cuja substância
é a ficção.
MISTÉRIOS DE LISBOA
DIREÇÃO Raúl Ruiz
QUANDO hoje, às 16h, e dia 28/10,
às 13h30, no Unibanco Arteplex; e
dia 31/10, às 14h, no Espaço
Unibanco Pompeia
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo
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