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A ADAPTAÇÃO
Longa se torna acessório para fãs do livro
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os leitores de Harry
Potter, seja na Inglaterra, Estados Unidos ou Brasil,
de maneira geral são unânimes na apreciação que estão
fazendo da versão cinematográfica: "Ah, o filme é legal,
mas o livro é melhor".
Quase todos os leitores-espectadores ouvidos pela Folhinha no último sábado
sentem falta de alguma coisa: Guilherme Costa, 10, queria ver mais o dragão Norberto; Fernanda Santos, 14,
aponta a frouxidão na construção da rivalidade entre
Draco e Harry.
E é um garoto de 13 anos
quem mata a charada: "Às
vezes, é melhor ler e imaginar os personagens e os lugares do seu jeito do que ter
a sua idéia distorcida num
filme. Isso quase não ocorre
em Harry Potter porque todas as coisas foram bem descritas no livro. Todos vão
gostar do filme, mas, para
quem já é viciado em Harry
Potter, a emoção de ver o pequeno herói na tela será diferente", diz Henrique Secco.
Pois é, se "Harry Potter", o
filme, não "distorce" exatamente o universo criado por
J.K. Rowling, ele também estava de saída destinado a não
alcançar um de seus objetivos, que era o de corresponder às expectativas dos já leitores (do outro objetivo, que
é atrair os não-leitores, a gigantesca máquina de marketing vai, sem dúvida, se
encarregar). A emoção, como diz o jovem Secco, de
conviver com personagens,
lugares e objetos que vão se
formando na imaginação
não se compara à de vê-los
prontos na tela do cinema.
Por maior que tenha sido o
respeito com que o diretor
Chris Columbus tratou o
material do livro, digamos
que o "imaterial" do livro, a
heterogeneidade das imagens, associações e interpretações que os leitores de
Harry Potter construíram ao
longo de todo o período pré-filme, era-lhe de antemão
inacessível. Não, o filme não
será um fracasso -os números hiperbólicos associados ao livro já começaram a
repetir-se em relação ao filme. Mas seus fãs vão tratar o
filme como um acessório.
O que torna Harry Potter
um fenômeno tão interessante é que seu universo foi
gestado até agora pela leitura
-daí a espécie de decepção
que manifestam meninos e
meninas leitores agora tornados espectadores. Por
mais formulaico que o texto
de Rowling possa parecer, a
escritora cerca sua estrutura
simples de texturas e de
emoções que são mais bem
apreendidas e apreciadas no
embate com o texto escrito
ou, no mínimo, que tendem
a se transformar em ruídos
quando são traduzidos literalmente em imagens.
Cada leitor terá sua lista de
reclamações, mas aí vai uma:
o sensacional Nick Quase-Sem-Cabeça passa despercebido; a importância de Hermione na resolução do enigma final; o encantamento de
Harry com o primeiro Halloween em Hogwarts; a
atração do gigante Hagrid
por animais de estimação
perigosos; toda a sequência
do Beco Diagonal. E, sobretudo, o humor irônico e inteligente de Rowling, transformado em "gracinha" por
Columbus.
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