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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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Um dos grandes clássicos da literatura mundial, "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, vira história em quadrinhos

PROUST

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma manhã de novembro, em 1998, o tradicional jornal francês "Le Figaro" exibiu no alto de uma de suas páginas o enunciado: "PROUST ASSASSINADO!".
O homicida em questão era o senhor Stéphane Heuet; a vítima, o romance "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust; a prova do crime era um delgado livro de história em quadrinhos.
Heuet, até então um desconhecido ilustrador, acabava de publicar o primeiro volume de sua adaptação da maior obra literária francesa do século 20 para o universo das tirinhas. E ganhava de presente do diário parisiense, na primeira crítica do projeto, as avaliações de "prodigiosamente vazio", "blasfemo" e "cruel".
O tempo, objeto maior da escrita de Proust (1871-1922), acabou por absolver o desenhista. Os dois principais jornais do país, o "Libération" e o "Le Monde" (abre aspas: "notável introdução à leitura de Proust"), acolheram o projeto, os franceses compraram 180 mil exemplares do álbum, os quadrinhos foram vendidos para uma dúzia de países.
Chegou a vez do Brasil. A editora Jorge Zahar está lançando esta semana o primeiro exemplar do "Em Busca do Tempo Perdido" quadriculado, adaptado do volume "No Caminho de Swann".
Se uma das idéias do projeto era poupar o tempo -sempre o tempo- de leitores preguiçosos em enfrentar os sete grossos tomos originais da obra de Proust, é bom deixar aqui um lembrete. A adaptação está prevista para ser concluída, na França, só em 2020.
Em entrevista à Folha, Stéphane Heuet explica o porquê. "Demorei mais de três anos para fazer o primeiro álbum. Para isso, li dezenas de vezes o romance, vasculhei todos os estudos feitos sobre ele, visitei todos os lugares mencionados na obra", diz o "adaptador".
A parte mais trabalhosa, afirma o desenhista, foi a última. Heuet, 46, que chegou a ser marinheiro e que nunca fizera uma história em quadrinhos antes, começou o projeto com a idéia de simplesmente ilustrar aquilo que Proust viu, e não as coisas que ele queria que os leitores imaginassem.
"Comecei querendo fazer um documentário visual do romance, pensando nos que já haviam lido "Em Busca". Mas jornalistas e leitores acabaram enxergando aí um modo de descobrir o universo de Proust", comenta Heuet, na entrevista por e-mail. "Fiquei satisfeito e hoje trabalho para os dois públicos: proustianos ferrenhos e os que querem ser apresentados."
Nessa busca, o quadrinhista usou quase sempre trechos literais do romance, mas trechos muito pequenos.
A clássica cena do narrador mergulhando o bolinho "madeleine" no chá, "gatilho" das lembranças que conduzem o livro, é um exemplo. Descrito em volumosas páginas no livro, o fragmento (veja ao lado) é resumido em menos de 20 frases.
Acompanhando-as, os quadrinhos com "sotaque" semelhante aos traços do belga Hergé, criador do personagem Tintin. "Não tenho como negar, ele é meu mestre. No próximo volume farei até uma homenagem a ele", diz.


EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (COMBRAY). Autor: Stéphane Heuet (adaptação da obra de Marcel Proust). Editora: Jorge Zahar. Tradução e notas: André Telles. Quanto: R$ 39 (76 págs.).


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