São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2007

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Análise

Obra de Béjart virou emblema de inovação no século 20

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Democratização, mestiçagem, cosmopolitismo, inovação: são palavras que definem a dança de Maurice Béjart. A permeabilidade a outras artes e culturas fez dele, além de grande coreógrafo, um mestre de gerações, ao fundar escolas em que dança, teatro, artes visuais, filosofia e música estiveram sempre juntos, a serviço de uma original expressividade artística.
A dança de Béjart superpõe movimentos, sugerindo intensidades e densidades, e mantendo o lirismo para retratar a realidade. Suas criações procuram uma espontaneidade perdida, com imagens simbólicas numa dança multicultural impactante. Para ele, dança e vida estão intimamente associadas: "A vida sem a dança não me interessa. Se não danço, morro".
Seu primeiro grande sucesso foi "Symphonie pour un Homme Seul" (1955), com música concreta de Pierre Schaeffer e Pierre Henry. O homem ali se debatia com a hostilidade do Pós-Guerra, representada por movimentos com acentos bruscos, passos que deixavam a terminação no ar e mistura de vocabulários clássico e moderno.
Béjart consagrou-se com a criação da "Sagração da Primavera" (1959), em que abordava o enfrentamento dos sexos, com precisão rítmica, opondo virilidade e sensualidade, numa dualidade antagonista e complementar. Em 1960, fundou o Ballet do Século 20, em Bruxelas: "A dança é a arte do nosso século. O corpo e o sonho: a dança alia o movimento físico à emotividade". A partir de 1987, a companhia se mudou para a Suíça, rebatizada de Béjart Ballet Lausanne. Em 2002, criaria a Compagnie M, com jovens recém-formados na sua própria escola, a Mudra.
Incansável, Béjart acompanhava tudo de perto: pela manhã, ensaios; à noite, espetáculos. Para ele, "o bailarino é um esportista filósofo. Precisa trabalhar seu corpo e entender ao mesmo tempo o que se passa na vida", uma vez que a arte é "um ponto de junção entre o real e o transcendental".

Teatralidade
Béjart associou a dança clássica a uma teatralidade expressiva, indo do clássico ao popular. Partindo de posições clássicas, procurou desestruturar as formas fixas, por impulsos de distintas partes do corpo, além de somar ao vocabulário da dança clássica a influência de outras, do flamenco ao kabuki.
Por sua diversidade, a obra de Béjart se tornou um emblema de inovação e radicalismo no século 20. Revigorando a linguagem clássica, criou peças homoeróticas que celebram a força, a virilidade e a beleza masculina; teve nos intérpretes Jorge Donn (1947-92) e Paolo Bortoluzzi (1938-93) dois grandes talentos nessas criações.
Com repercussão mundial, fez produções para espaços como estádios e arenas, atraindo público jovem e numeroso. A dança para Béjart estava integrada ao artístico, ao espiritual e ao social, um ritual disponível a todos. "Meu balés", dizia, "são antes de tudo encontro com a música, a vida, a morte, o amor, seres cujo passado e obra se encarnam em mim, e se encarnam uma outra vez nos intérpretes que os dançam".
Em "Ballet for Life" (1997) misturando a música de Mozart com a do Queen, contextualizou a morte de Jorge Donn e do cantor Freddie Mercury; em "Bolero for Gianni" (1999) sobre uma de suas músicas favoritas de Ravel, fez um tributo ao estilista Gianni Versace.
Béjart é há muito uma lenda da dança. Suas palavras servem para nós como um mote de vida: "Compreendo melhor um sentimento quando o danço; pelo labirinto do corpo dos outros, eu encontro o caminho do meu próprio pensamento".


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