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Análise
Obra de Béjart virou emblema de inovação
no século 20
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Democratização, mestiçagem, cosmopolitismo, inovação: são palavras que definem a dança de
Maurice Béjart. A permeabilidade a outras artes e culturas
fez dele, além de grande coreógrafo, um mestre de gerações,
ao fundar escolas em que dança, teatro, artes visuais, filosofia e música estiveram sempre
juntos, a serviço de uma original expressividade artística.
A dança de Béjart superpõe
movimentos, sugerindo intensidades e densidades, e mantendo o lirismo para retratar a
realidade. Suas criações procuram uma espontaneidade perdida, com imagens simbólicas
numa dança multicultural impactante. Para ele, dança e vida
estão intimamente associadas:
"A vida sem a dança não me interessa. Se não danço, morro".
Seu primeiro grande sucesso
foi "Symphonie pour un Homme Seul" (1955), com música
concreta de Pierre Schaeffer e
Pierre Henry. O homem ali se
debatia com a hostilidade do
Pós-Guerra, representada por
movimentos com acentos bruscos, passos que deixavam a terminação no ar e mistura de vocabulários clássico e moderno.
Béjart consagrou-se com a
criação da "Sagração da Primavera" (1959), em que abordava
o enfrentamento dos sexos,
com precisão rítmica, opondo
virilidade e sensualidade, numa
dualidade antagonista e complementar. Em 1960, fundou o
Ballet do Século 20, em Bruxelas: "A dança é a arte do nosso
século. O corpo e o sonho: a
dança alia o movimento físico à
emotividade". A partir de 1987,
a companhia se mudou para a
Suíça, rebatizada de Béjart Ballet Lausanne. Em 2002, criaria
a Compagnie M, com jovens recém-formados na sua própria
escola, a Mudra.
Incansável, Béjart acompanhava tudo de perto: pela manhã, ensaios; à noite, espetáculos. Para ele, "o bailarino é um
esportista filósofo. Precisa trabalhar seu corpo e entender ao
mesmo tempo o que se passa na
vida", uma vez que a arte é "um
ponto de junção entre o real e o
transcendental".
Teatralidade
Béjart associou a dança clássica a uma teatralidade expressiva, indo do clássico ao popular. Partindo de posições clássicas, procurou desestruturar as
formas fixas, por impulsos de
distintas partes do corpo, além
de somar ao vocabulário da
dança clássica a influência de
outras, do flamenco ao kabuki.
Por sua diversidade, a obra de
Béjart se tornou um emblema
de inovação e radicalismo no
século 20. Revigorando a linguagem clássica, criou peças
homoeróticas que celebram a
força, a virilidade e a beleza
masculina; teve nos intérpretes
Jorge Donn (1947-92) e Paolo
Bortoluzzi (1938-93) dois grandes talentos nessas criações.
Com repercussão mundial,
fez produções para espaços como estádios e arenas, atraindo
público jovem e numeroso. A
dança para Béjart estava integrada ao artístico, ao espiritual
e ao social, um ritual disponível
a todos. "Meu balés", dizia, "são
antes de tudo encontro com a
música, a vida, a morte, o amor,
seres cujo passado e obra se encarnam em mim, e se encarnam uma outra vez nos intérpretes que os dançam".
Em "Ballet for Life" (1997)
misturando a música de Mozart com a do Queen, contextualizou a morte de Jorge Donn
e do cantor Freddie Mercury;
em "Bolero for Gianni" (1999)
sobre uma de suas músicas favoritas de Ravel, fez um tributo
ao estilista Gianni Versace.
Béjart é há muito uma lenda
da dança. Suas palavras servem
para nós como um mote de vida: "Compreendo melhor um
sentimento quando o danço;
pelo labirinto do corpo dos outros, eu encontro o caminho do
meu próprio pensamento".
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