São Paulo, quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

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LIVROS

Traduções de "Mulheres Apaixonadas", de D.H. Lawrence, e "Os Sonâmbulos", de Hermann Broch, são copiadas

Editora de SP é acusada de plagiar mais duas obras

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Constatada pela Folha em 11/12, a cópia da tradução de Francisco Inácio Peixoto para o romance "Oblomov", de Ivan Alexandrovitch Gontcharov, não é o único caso de plágio da editora Germinal. O crítico Alfredo Monte, de "A Tribuna", de Santos, revelou em julho deste ano que outros dois livros do selo paulista são cópias de traduções já existentes.
Um dos livros é "Mulheres Apaixonadas", do autor inglês D.H. Lawrence (1885-1930). A Germinal lançou em 2002 uma tradução assinada por Felipe Padula Borges, sobrinho do então proprietário da editora, o advogado e jornalista Wilson Hilário Borges, morto em março de 2002 aos 62 anos.
O texto é praticamente idêntico ao de uma tradução feita pelo português Cabral do Nascimento e que, adaptada por Ruth de Biasi, foi lançada no Brasil nos anos 80 pela Record. Em 2004, a mesma Record lançou uma nova tradução, de Renato Aguiar.
"Segundo Felipe, o livro foi traduzido pelo Wilson, que lhe pediu para acertar algumas palavras e dar a forma final no texto. É o que eu sei", diz a jornalista Vera Lúcia Rodrigues, 49, que viveu 22 anos com Borges e hoje responde pela Germinal. De acordo com ela, a editora era um projeto exclusivo de Borges, sobre o qual a família pouco sabia.
O outro romance plagiado é "Os Sonâmbulos", do austríaco Hermann Broch (1886-1951). A Germinal publicou em um só livro os três volumes das Edições 70, de Portugal, lançados em 1988. O primeiro foi traduzido por Antônio Ferreira Marques e os outros dois, por Jorge Camacho.
No livro da Germinal, o nome do autor aparece grafado errado na capa: Hermann Brock. E a tradução está assinada pelo próprio Wilson Hilário Borges. "Eu só sei o que está no livro: ele assinou a tradução", diz Vera Lúcia.
Em julho, quando procurada por e-mail por Alfredo Monte, ela defendeu a "idoneidade" dos tradutores e considerou um sinal de qualidade o fato de as traduções serem tão parecidas com versões portuguesas. Hoje, ela diz que, na época, ainda desconhecia a possibilidade de plágio e que não recebeu muitas informações para poder investigar a história.
"Para mim, é muito difícil pensar que ele [Borges] possa ter feito isso", diz Vera Lúcia. Quando ouvida sobre "Oblomov", ela afirmou estar disposta a corrigir os eventuais erros. "Não é meu objetivo lesar ninguém. Se alguém foi lesado, vamos buscar reparar."
No caso de "Oblomov", Borges pôs o nome de sua filha Juliana como tradutora. O texto é plágio do feito pelo poeta mineiro Francisco Inácio Peixoto (1909-1986) para as Edições O Cruzeiro em 1966. Juliana também aparece como tradutora nas edições de "Chegada e Partida" e "Ladrões na Noite", ambos do húngaro Arthur Koestler (1905-1983).
Em comum com "Oblomov", as edições de "Mulheres Apaixonadas" e "Os Sonâmbulos" têm muitos erros de revisão. Dentre as poucas mudanças feitas nas traduções estão a troca das grafias de palavras, como "protectora" e "objectivo", escritas assim nas versões portuguesas.
Trechos complexos servem como exemplos do plágio, pois dificilmente seriam escritos por dois tradutores diferentes É o caso do que está na página 563 da edição da Germinal de "Mulheres Apaixonadas": "Aquele lugar evocava uma panela pouco funda que jazesse entre neve e pedregulhos, num mundo perto das nuvens. Ali adormecera Gerald. Em volta os guias tinham pregado estacas de ferro, de maneira a poderem içar-se com o auxílio de uma comprida corda amarrada a elas; assim atingiriam, para além dos cimos denteados, a área de neve endurecida, que se confundia com o céu e onde se escondia Marienhutte, entre penhascos".
Um trecho da página 160 de "Os Sonâmbulos" é um outro exemplo deste tipo: "Acudiu-lhe ao espírito uma frase de Clausewitz: ninguém age senão por pressentimento e instinto da verdade. E, num pressentimento, o coração revelou-lhe que lhes seria concedida, num lar cristão, a ajuda salvadora e protetora da graça, para que eles não tivessem de peregrinar sobre a terra ignorantes, desamparados e sem objetivos, a caminho do nada".

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