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Clodovil volta aos palcos com alma feminina e peça de autoria própria; em entrevista à Folha, avisa que vai se candidatar a deputado pelo PTC
De salto ALTO
PAULO SAMPAIO
DA REVISTA DA FOLHA
Um motivo insólito levou Clodovil Hernandes a fazer teatro pela terceira vez em sua carreira de
estilista. "Estava desempregado e
não tenho cara de pobre; não conseguiria nem inventar uma. Precisava fazer alguma coisa. Acordei
num domingo de manhã, depois
de operado de câncer de próstata,
e resolvi escrever um espetáculo.
Você sabe, o segredo da cura é o
bom humor. Fui para a operação
cantando pelos corredores, fazendo Broadway, levantando a perna,
acordadíssimo, e todos os outros
pacientes no hospital dormindo",
conta ele, que estréia amanhã o
musical "Eu e Ela", de autoria
própria, no qual aborda o lado feminino de sua personalidade.
Aparece em cena de meia arrastão, sandálias altas, unhas dos pés
pintadas de vermelho e paletó e
camisas masculinos. Clodovil já
havia montado "Seda Pura e Alfinetadas", em 1981, e "Sabe Quem
Dançou?", em 87.
A situação crítica atual o levou a
enveredar também pela política.
No segundo semestre, pretende
candidatar-se a deputado estadual pelo PTC (Partido Trabalhista Cristão). "Brasília nunca mais
será a mesma", avisa.
Na verdade, os novos personagens são reedições de clássicos dele mesmo. Na conversa com Clodovil, não é fácil separar espetáculo, candidatura e vida doméstica.
"Pafúncia!", ele chama a empregada, cujo nome de batismo é Belinda. Ela aparece, ele pede "o Gatorade gelado" e Belinda responde que só sem gelo: "Lógico, vocês
não colocaram na geladeira. Vocês são um saco!".
Como é o espetáculo?
"Todo mundo tem uma alma
masculina, uma feminina. Vivo
da minha alma feminina, tenho
paixão por ela. Agora: a mulher
que eu faço no palco não é essa
avacalhação que se vê por aí. Tenho horror a puta!"
E como é o espetáculo?
"É "divertissement", não tem a
menor pretensão literária. O diretor é o Elias Andreato. Canto seis
músicas, estou acompanhado de
cinco bailarinos e dois atores; a
minha versão de "La Vie en Rose",
você me aguarde, vai tocar no metrô de Paris!"
Clodovil olha para o infinito
com o queixo levantado, sorri,
suspira e continua: "O espetáculo
começa no escuro, eu cantando
"Gracias a la Vida"...".
Ele some, volta com o CD player
tipo três em um portátil e coloca
as versões da peça para clássicos
de Violeta Parra, Elis Regina, Chico Buarque, Carmem Miranda,
Billie Holiday e Edith Piaf.
Explica que não cantará em todas as sessões; quando não estiver
disposto, vai usar o recurso do
playback: "Tem dia que a gente
não está com vontade. Você é
igual todos os dias?".
Ele aperta o play e ouve-se sua
voz cantando "Ne me Quitte Pas"
(não me abandone). "Eu peço a
minha alma feminina para não
me deixar; todas as músicas tem o
seu momento na peça: em Tatuagem, do Chico, ela (a alma feminina) gruda em mim..."
A Billie Holiday de Clodovil
canta "You've Changed", "depois
da morfina". "Ela era divina, mesmo drogada, uma dessas loucas
que eu adoro [ele cita Florbela Espanca]: "Devo ter sido a visão que
alguém sonha, alguém que veio
ao mundo para me ver e que nunca na vida me encontrou"..."
Clodovil sai de novo da sala e,
apesar de ter avisado que não
mostraria o figurino do espetáculo, assinado por ele, ressurge sobre uma sandália plataforma de
mais de 15 cm de salto, dourada,
com uma borboleta de estrasse
sobre a tira da frente.
No palco, ele diz, a Carmem
(Miranda) já está nascendo.
"Abro os braços e os bailarinos
vão tirando minha roupa até eu ficar só de cueca...Você conhece alguém com 70 anos que tenha essas pernas? (Ele mostra.)"
A entrevista já é quase um espetáculo. Mas ainda falta falar da
candidatura a deputado.
"O político brasileiro só pensa
em ter. Eu fui criado para ser, e é
nisso que eu posso ajudar esse
país", diz, ao lado de seu sacolão
Louis Vuitton e rodeado de retratos dele mesmo pintados por artistas consagrados, fotos com socialites, livros de moda e quadros
que preenchem toda a parede.
E a campanha? Diferentemente
do prefeito José Serra, Clodovil jamais iria ao Fashion Week para
agradar o eleitorado: "Aquilo só é
bom para o Paulo Borges [produtor do evento], que ganha muito
dinheiro. Hoje não existem mais
estilistas; é um monte de bichas".
Sua plataforma política tem bases cristãs. Atribui a candidatura à
uma "vontade superior" e diz que
pretende ajudar o próximo. Considera-se uma pessoa boa? "Não,
mas ninguém é. Se o mais perfeito
foi para a cruz, para onde você
acha que eu posso ir?"
Eu e Ela
Quando: estréia amanhã, às 21h30; qui.
e sáb., às 16h e às 21h; sex., às 21h; e
dom., às 18h; até 26/3
Onde: teatro Brigadeiro (av. Brig. Luiz
Antônio, 884, Bela Vista, SP, tel. 0/xx/11/
3115-2637)
Quanto: R$ 40 e R$ 50
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