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FERNANDO BONASSI
Notas para uma televisão aberta bem burra mesmo
Uma televisão aberta bem
burra mesmo começa com o
fechamento a esmo de uma concessão, ou concussão, bem esperta. Alguém estará alerta para melhorar sua condição privada, quererá alguma coisa com a coisa pública ou precisará improvisar
uma tal imagem lúdica da realidade que parecerá estar brincando quando, na verdade, estará é
martelando em cheio as miragens
de suas veleidades nos centros dos
cérebros alheios...
São as necessidades imperiosas
das hostes poderosas desses empresários da desinformação. Sua
especialidade? A repetição antenada de certos ideais de civilização que enfim concretizarão a tão
sonhada democracia de ocasião
para as suas minorias. Claro que
todos os demais cidadãos excluídos dessa transmissão "aos vivos"
poderão espernear ou reclamar
com os bispos, mas há tantos
compromissos mixos, micos orçamentários, burocracias de cartórios hereditários, pressões de noticiários arranjados, pronomes pessoais e sobrenomes especiais que
se entupirão as torres de reprodução, impedindo a contestação circunstancial e gerando a cadeia
(ou penitenciária) nacional da estupidificação.
Os processos de discussão da democratização poderão durar
anos a mais do que uma daquelas
novelas muito ruins, ou aquelas
mais ou menos boas o suficiente
para serem esticadas até romperem a passividade das salas de
jantares. No que diz respeito aos
empreendedores dessas relações
de poder, os agregados que ajudarão a eleger preservarão os seus
direitos adquiridos, com os dinheiros dos subsídios e demais
empréstimos camaradas. Do outro lado dessa "parceria" (ou palhaçada), uns negócios como esses
criarão assim um telemercado de
telecorrupção, em que até os teleguiados governos transitórios de
oposição atirarão nos próprios
pés, sendo devorados pela fé nos
monstros que adularão e patrocinarão.
Como uma televisão bem burra,
desde o início, agirá como tal,
bem ou mal todo o processo de
sua realização sofrerá a coerção
imoral da indigência: os entrevistadores serão tão amigos dos entrevistados que as perguntas serão elogios recorrentes e as respostas conterão propostas indecentes; a chamada "grande história" será um tipo de memória antiga, difusa e confusa, com personagens tão patéticos de éticos que
se tornarão caquéticos de fazer
rir, de forma que os contadores de
piadas sem graça confundirão a
comédia desgraçada dos acontecimentos.
Uma televisão bem burra se
comportará como uma espécie de
assessoria de imprensa de quem é
notícia, já que as novidades que a
imprensa apura nem sempre são
o que mais ajuda, ou compensa,
para a prosperidade e para a recompensa dos anunciantes.
Em casos beligerantes, uma televisão bem burra usará carros
blindados e repórteres embutidos,
como insetos escondidos nos fundilhos dos uniformes militares.
Uma televisão bem burra será
religiosa e fundamentalista, preferindo as danações masoquistas
e doações esquisitas dos padres e
pastores aos devidos recibos registrados dos impostos coletados.
Uma televisão bem burra sempre
chamará de censura a sua falta
de idéias, preferirá o normal ao
diferente, o idiota ao surpreendente e o oficial ao moral, mantendo uma casta de estrelas bacanas, empregadas para se coçarem
e aparecerem a peso de ouro, enquanto os touros empregados como otários de temporada serão os
encarregados de levar a facada de
fazer tudo por um nada de salário.
Numa televisão bem burra, as
pesquisas de opinião opinarão
mais do que a questão que as pesquisas investigarão, as histórias
de amor serão comuns e tão vulgares que não se diferenciarão os
programas protocolares com atrizes das garotas meretrizes de programas espetaculares.
Uma televisão bem burra acabará com toda a influência contraditória, pois sua concepção
masturbatória de comunicação
incluirá a multiplicação da audiência com a sistemática subtração da concorrência. Uma televisão bem burra, mas bem burra
mesmo, concentrará a sua ingerência na criação, desenvolvimento, distribuição e exibição,
deixando uma legião de produtores independentes locais de prato
na mão e com fama de marginais
culturais, enganadores venais e
vagabundos audiovisuais.
Só mesmo o tal do jornalismo
de fundo investigativo será mais
provocativo em sua ficção superficial, estimulando a consumação
final de mais e mais atos de mesmice consensual.
Quanto à criancice, as crianças
serão educadas nos intervalos, pelos reclames estonteantes dos publicitários deslumbrados.
Aliás, a coragem da encenação
dos diretores só será proporcional
à ousadia dos vendedores de programação, ou "executivos de
marketing", como queiram. Numa televisão bem burra que se
preza, os cenógrafos sempre serão
mais importantes que os escritores, os escritores mais domesticados que os apresentadores, os
apresentadores mais sensacionalistas que os estilistas, os estilistas
mais influentes que os editores, os
editores mais covardes que os pesquisadores e os maquiadores
mais preparados que os atores.
Quanto aos telespectadores, cada um terá a televisão que merece, ou agüenta. Uma televisão
aberta bem burra haverá de fazer
do país a sua imagem e semelhança, nos livrando de todo o
mal original da inteligência e da
esperança no exercício da consciência para a verdadeira democracia.
Amém.
@ - fbonassi@uol.com.br
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