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Livro de Erica Jong traz interrogação ao Brasil
O QUE QUEREM AS MULHERES?
A autora do clássico feminista "Medo de Voar" fala à Folha sobre sua polêmica coletânea de textos sobre mulheres
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A interrogação é grande, bem
grande. O que querem as mulheres? A dona da pergunta já foi a
proprietária de algumas das melhores respostas.
Quando lançou "Medo de
Voar", em 1973, a escritora nova-iorquina Erica Jong fez um pequeno terremoto naquilo que homens e mulheres conheciam sobre homens e mulheres.
Nascia a personagem Isadora
Wing, que dava asas à mulher que
se bastava, dominava seus medos,
que ganhava o direito de procurar
o "sexo sem zíper" (o intraduzível
"zipless fuck"), aquele em que "zíperes caem feito pétalas de rosas"
(e em que nem sempre se sabe o
nome do dono do zíper alheio).
Quase 30 revoluções da Terra
em torno do Sol mais tarde, Jong
já vendeu mais de 30 milhões de
exemplares, já publicou uma dezena de outros livros e já perdeu o
medo de voar (chegou até a casar
com um piloto de avião). A pergunta, porém, continua de pé. E
chegou à capa de um livro.
Em "O Que as Mulheres Querem?" (editora Record), que está
chegando esta semana às livrarias
brasileiras, Jong reúne 24 artigos
nos quais debate alguns dos assuntos que cabem dentro da grande interrogação.
Preconceitos, maternidade, feminismo, pornografia, mercado
de trabalho, Madonna, Lady Di e
Hillary Clinton entram no liquidificador bem-humorado da escritora. Na semana passada, Erica
Jong, 59, falou com a Folha sobre
algumas de suas interrogações.
Leia trechos do interrogatório.
Folha - O que as mulheres querem?
Erica Jong - Não é difícil responder. É muito simples o que elas
querem e estranho que até hoje eu
e você tenhamos que ficar nos
perguntando isso. Mulheres querem o mesmo que os homens.
Uma família, amor, um trabalho
significativo. Elas querem vidas
completas. O complicado é que
boa parte delas não sabe disso.
Folha - Os homens sabem o que as
mulheres querem?
Jong - A maioria não e eles mistificam muito a questão. Se pensassem um pouco, descobririam que
o que homens e mulheres querem
não é muito diferente.
Folha - Em artigo recente, publicado na revista "Talk", a sra. escreveu que em todo lugar que vai tem
ouvido mulheres dizendo que o
que gostariam mesmo era de poder
ficar mais em casa, ter mais tempo
para cuidar das crianças. A sra.
acredita que esse seja o sentimento predominante das mulheres?
Jong - Acho que não se pode escolher entre pão e rosas. Todas as
vidas precisam dos dois, do equilíbrio de ambos. Todos conhecem
pessoas que só trabalham. Elas
não são felizes. Só amor também
não resolve. A dificuldade maior
das mulheres ainda é balancear a
maternidade com um trabalho de
qualidade. O problema é o mesmo desde os tempos da Revolução Industrial, quando trabalho e
casa foram divididos.
Folha - O problema será infinito?
Jong - Creio que não. É que a sociedade não facilita as coisas. Seria
muito mais fácil se todos pudessem levar seus filhos para o lugar
em que fossem trabalhar, se houvesse um espaço de qualidade para deixar as crianças. Algumas
companhias já perceberam isso.
Outras estão deixando os funcionários trabalharem em casa, ligados pelo computador. E assim toda a idéia de trabalho vai se modificando. Em parte por conta do
movimento das mulheres, pelas
suas reclamações de que a vida estava impossível.
Pouco a pouco a sociedade vai
aprendendo. Nesse meio tempo,
porém, a situação da mulher é
bem desconfortável. Muitas das
que têm maridos com dinheiro
suficiente para elas não terem de
trabalhar mandam o trabalho para o inferno, pois ficam cansadas
de estarem sempre cansadas.
Folha - E como as recentes oscilações econômicas dos Estados Unidos influenciam esse quadro?
Jong - Quando tivemos o boom,
muitos homens ganharam bastante dinheiro e suas mulheres
voltaram a cuidar de três ou quatro filhos, como nas gerações de
minha mãe. Agora, com a recessão, provavelmente elas vão ter de
trabalhar de novo fora de casa.
Folha - O feminismo morreu?
Jong - Não. O que houve é que
muitas questões do feminismo
passaram a ser parte da sociedade. O feminismo é hoje uma realidade. As jovens ainda têm reivindicações sobre coisas que eram
requisitadas pelo feminismo. Mas
elas nem ao menos sabem o que
foi o feminismo, não sabem que
suas mães e avós lutaram para
que essas coisas ficassem reais. E
muitas ficaram. E aí está o sucesso
do feminismo: virar parte normal
da vida social.
Ainda há muito pelo que brigar.
São discussões que são parte do
cotidiano, que não são vistas como radicais. Isso é o sucesso total
do feminismo.
Folha - Quais as principais diferenças entre a situação da mulher
em 1971, quando a sra. lançou seu
primeiro livro, e 30 anos depois?
Jong - Creio que as diferenças
são gigantescas, tanto para mim
como para todas as mulheres.
Hoje muitas coisas que eram
consideradas radicais são consideradas partes normais da sociedade. A reivindicação pelo pagamento igual para homens e mulheres. A reivindicação para que
os homens se envolvam mais na
criação dos filhos. É até um orgulho para homens mais jovens poder cuidar do filho, levá-lo ao médico quando ele estiver doente,
passear com ele. Acho que os homens não se assustam mais com
mulheres poderosas. Figuras como Madonna mudaram a imagem que se faz delas.
Folha - E quem são as jovens escritoras que mudam hoje a imagem
que se faz da mulher, como "Medo
de Voar" mudou nos anos 70?
Jong - Não sei. Quando escrevi o
primeiro romance, houve um impacto enorme. Talvez tenha sido
por questões erradas. Mas também naquela época, na metade da
década de 70, era possível fazer livros que causassem ebulições na
sociedade. Hoje, muito poucas
obras conseguem o mesmo.
O poder de convencer pelas letras declinou. O hábito de ler está
muito decadente porque todos
estão sempre desesperadamente
ocupados. Eu me pergunto: será
que alguém realmente lê, hoje?
A palavra ainda é importante.
Mas a palavra falada é muito superior hoje à palavra impressa.
Folha - Qual dos artigos de seu livro causou mais polêmica nos EUA?
Jong - Creio que o que fiz sobre o
pênis do presidente Clinton, em
que trato da discussão pública sobre a vida sexual do presidente, e
o que escrevi sobre o Viagra, acredito que o primeiro publicado no
mundo todo.
Folha - Qual o balanço que a sra.
faz do episódio Monica Lewinsky?
Jong - Dele só podemos concluir
que as pessoas adoram fofocas e
que o presidente foi muito burro,
lidou muito mal com o caso. Acho
que o episódio mostra um aspecto autodestrutivo de Clinton. Ele
sabia que ela não manteria a boca
fechada. Ela é jovem e neurótica.
Se o presidente queria ter um caso
amoroso, deveria ter escolhido alguém mais madura e esperta.
Folha - Como Hillary?
Jong - Ela sim é fantástica. Não
tivemos uma primeira-dama fazendo política, como ela, desde
Elleanor Roosevelt, a primeira a
falar sobre direitos das mulheres.
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