São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVRO/LANÇAMENTO

POLÊMICA

Norman Finkelstein afirma que "indústria" foi criada para se aproveitar do sofrimento das vítimas do nazismo

Judeus lucram com Holocausto, diz autor

Divulgação/Ministério da Cultura Francês
Foto que integra a exposição "Memoire des Camps", sobre os campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial; a mostra fica em cartaz até 25 de março, no Hôtel de Sully, em Paris


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"A Indústria do Holocausto", do norte-americano Norman Finkelstein, 47, é, segundo o autor disse em entrevista à Folha, "uma tentativa de tratar o Holocausto nazista de forma racional, libertando o episódio da exploração de uma indústria criada para se aproveitar de sua memória".
Para o autor, que é judeu e filho de sobreviventes dos campos de concentração nazistas, "racionalizar" significa compreender como uma elite de judeus norte-americanos teria, a partir do fim dos anos 60, usado o Holocausto como instrumento ideológico para legitimar sua influência política e econômica nos EUA.
Essa elite teria atuado com o respaldo de intelectuais judeus norte-americanos, que teriam adotado o discurso da vitimização, utilizando o sofrimento dos sobreviventes dos campos como justificativa para legitimar a consolidação do Estado de Israel.
"A Indústria do Holocausto", lançado em julho do ano passado nos Estados Unidos, tem rendido muita polêmica a esse professor de teoria política da Universidade de Nova York, acusado de minimizar as atrocidades cometidas pelo nazismo.
Finkelstein defende-se e diz que quer apenas fazer justiça a seus parentes, mortos na Segunda Guerra Mundial.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Finkelstein concedeu, por telefone, de sua casa, em Nova York.

Folha - Como o sr. começou a questionar a história que se contava sobre o Holocausto nos EUA, na época em que era um estudante?
Norman Finkelstein -
Eu cresci numa casa de sobreviventes do Holocausto nazista, ouvindo a reação dos meus pais às várias comemorações do evento e aos livros que eram publicados sobre o assunto. E o que se dizia do Holocausto nos EUA era diferente daquilo que me contavam em casa. Mostro como o discurso sobre o fato histórico se transformou completamente a partir do final dos anos 60. Isso só aconteceu por motivos político-econômicos.

Folha - O sr. diz que, com poucas exceções (Hannah Arendt e Noam Chomsky entre elas), os intelectuais judeus norte-americanos ignoravam Israel no começo. O que os teria levado a agir assim?
Finkelstein -
A posição dos intelectuais judeus norte-americanos era de alinhar-se com o poder nos EUA por dois motivos. Um deles era a segurança, e o outro era o fato de que isso lhes garantia uma avenida para a fama e para o enriquecimento. Até 1967, jornais e publicações dos intelectuais judeus norte-americanos não mencionavam Israel como uma de suas preocupações.

Folha - O sr. diz que a "indústria" do Holocausto teria nascido depois de 1967, com a Guerra dos Seis Dias? Como isso aconteceu?
Finkelstein -
As coisas começaram a mudar naquele ano, quando Israel assumiu uma posição estratégica para os EUA no Oriente Médio. E, para os intelectuais judeus, Israel passou a ser um veículo de assimilação, por ter se transformado no bastião da civilização ocidental entre as hordas árabes do Terceiro Mundo. Deste momento em diante, ser pró-Israel era ser pró-Ocidente.

Folha - O sr. vê a necessidade de encarar o Holocausto racionalmente. Acha que há uma tendência nas pesquisas para que o nazismo seja visto de forma menos emocional?
Finkelstein -
Eventos históricos são constantemente utilizados para legitimar determinados regimes ou grupos no poder. O Holocausto nazista tornou-se instrumento para um jogo político e econômico pela elite de judeus norte-americanos. Mas também existem trabalhos sérios sobre o fato. Acontece que as pesquisas sérias não fazem parte da comemoração oficial. Esta é o espaço dos trabalhos que não são sérios e que são politicamente motivados.

Folha - O sr. ressalta o caráter de singularidade que o Holocausto ganhou. Que tipo de entendimento é prejudicado por esse discurso?
Finkelstein -
A idéia de singularidade, de excepcionalidade, do Holocausto faz com que o significado do sofrimento seja alterado. A idéia de que, por mais que alguém diga que sofra, não terá sofrido mais que os judeus. Ao reforçar a singularidade, não estamos mais habilitados a entender o que aconteceu e a aprender lições úteis. Se ele não pode ser comparado a nenhum fato histórico, se o tomamos como algo que aconteceu fora da história, não podemos tirar nenhuma lição útil dele.



Texto Anterior: Deborah Colker ganha Oscar das artes cênicas
Próximo Texto: Crítica: Livro faz escândalo com a tragédia alheia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.