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LIVRO/LANÇAMENTO
POLÊMICA
Norman Finkelstein afirma que "indústria" foi criada para se aproveitar do sofrimento das vítimas do nazismo
Judeus lucram com Holocausto, diz autor
Divulgação/Ministério da Cultura Francês
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Foto que integra a exposição "Memoire des Camps", sobre os campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial; a mostra fica em cartaz até 25 de março, no Hôtel de Sully, em Paris |
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"A Indústria do Holocausto",
do norte-americano Norman Finkelstein, 47, é, segundo o autor
disse em entrevista à Folha, "uma
tentativa de tratar o Holocausto
nazista de forma racional, libertando o episódio da exploração de
uma indústria criada para se
aproveitar de sua memória".
Para o autor, que é judeu e filho
de sobreviventes dos campos de
concentração nazistas, "racionalizar" significa compreender como
uma elite de judeus norte-americanos teria, a partir do fim dos
anos 60, usado o Holocausto como instrumento ideológico para
legitimar sua influência política e
econômica nos EUA.
Essa elite teria atuado com o
respaldo de intelectuais judeus
norte-americanos, que teriam
adotado o discurso da vitimização, utilizando o sofrimento dos
sobreviventes dos campos como
justificativa para legitimar a consolidação do Estado de Israel.
"A Indústria do Holocausto",
lançado em julho do ano passado
nos Estados Unidos, tem rendido
muita polêmica a esse professor
de teoria política da Universidade
de Nova York, acusado de minimizar as atrocidades cometidas
pelo nazismo.
Finkelstein defende-se e diz que
quer apenas fazer justiça a seus
parentes, mortos na Segunda
Guerra Mundial.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Finkelstein
concedeu, por telefone, de sua casa, em Nova York.
Folha - Como o sr. começou a
questionar a história que se contava sobre o Holocausto nos EUA, na
época em que era um estudante?
Norman Finkelstein - Eu cresci
numa casa de sobreviventes do
Holocausto nazista, ouvindo a
reação dos meus pais às várias comemorações do evento e aos livros que eram publicados sobre o
assunto. E o que se dizia do Holocausto nos EUA era diferente daquilo que me contavam em casa.
Mostro como o discurso sobre o
fato histórico se transformou
completamente a partir do final
dos anos 60. Isso só aconteceu por
motivos político-econômicos.
Folha - O sr. diz que, com poucas
exceções (Hannah Arendt e Noam
Chomsky entre elas), os intelectuais judeus norte-americanos ignoravam Israel no começo. O que
os teria levado a agir assim?
Finkelstein - A posição dos intelectuais judeus norte-americanos
era de alinhar-se com o poder nos
EUA por dois motivos. Um deles
era a segurança, e o outro era o fato de que isso lhes garantia uma
avenida para a fama e para o enriquecimento. Até 1967, jornais e
publicações dos intelectuais judeus norte-americanos não mencionavam Israel como uma de
suas preocupações.
Folha - O sr. diz que a "indústria"
do Holocausto teria nascido depois
de 1967, com a Guerra dos Seis
Dias? Como isso aconteceu?
Finkelstein - As coisas começaram a mudar naquele ano, quando Israel assumiu uma posição estratégica para os EUA no Oriente
Médio. E, para os intelectuais judeus, Israel passou a ser um veículo de assimilação, por ter se
transformado no bastião da civilização ocidental entre as hordas
árabes do Terceiro Mundo. Deste
momento em diante, ser pró-Israel era ser pró-Ocidente.
Folha - O sr. vê a necessidade de
encarar o Holocausto racionalmente. Acha que há uma tendência nas
pesquisas para que o nazismo seja
visto de forma menos emocional?
Finkelstein - Eventos históricos
são constantemente utilizados
para legitimar determinados regimes ou grupos no poder. O Holocausto nazista tornou-se instrumento para um jogo político e
econômico pela elite de judeus
norte-americanos. Mas também
existem trabalhos sérios sobre o
fato. Acontece que as pesquisas
sérias não fazem parte da comemoração oficial. Esta é o espaço
dos trabalhos que não são sérios e
que são politicamente motivados.
Folha - O sr. ressalta o caráter de
singularidade que o Holocausto
ganhou. Que tipo de entendimento
é prejudicado por esse discurso?
Finkelstein - A idéia de singularidade, de excepcionalidade, do
Holocausto faz com que o significado do sofrimento seja alterado.
A idéia de que, por mais que alguém diga que sofra, não terá sofrido mais que os judeus. Ao reforçar a singularidade, não estamos mais habilitados a entender o
que aconteceu e a aprender lições
úteis. Se ele não pode ser comparado a nenhum fato histórico, se o
tomamos como algo que aconteceu fora da história, não podemos
tirar nenhuma lição útil dele.
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