São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 2001

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CRÍTICA

Livro faz escândalo com a tragédia alheia

MARCOS GUTERMAN EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
O escritor Primo Levi descreveu o pior pesadelo para um sobrevivente do Holocausto como ele: tentar relatar o que ocorreu e ninguém acreditar. A ausência quase completa de documentos específicos do genocídio, grande parte deles destruída pelos nazistas para tentar apagar o episódio da história, é a base da negação do Holocausto e um dos trunfos de "A Indústria do Holocausto", de Norman Finkelstein.
A título de "reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus", o autor constrói seu ensaio sobre três pilares de argumentação: 1) o Holocausto só passou a ser importante para os EUA e os dirigentes judeus norte-americanos quando foi preciso arranjar uma desculpa para a manutenção de um Estado israelense belicoso e agressor, ponta-de-lança de Washington no Oriente Médio; 2) o Holocausto é usado pelos líderes judeus como a prova definitiva da singularidade (e da superioridade) do judaísmo; e 3) o Holocausto tornou-se um poderoso instrumento para que esses mesmos líderes pudessem extorquir bilhões de dólares de bancos, governos e empresas, muitas vezes por meio de fraude.
Como base de justificativa, Finkelstein usa interpretação enviesada de fontes de segunda mão, retórica libelista e impressões pessoais que, no mais das vezes, servem para atacar antigos desafetos, principalmente o Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, espécie de porta-voz dos sobreviventes.
Finkelstein tenta mostrar que sobreviventes em posição privilegiada na comunidade judaica norte-americana, como Wiesel, construíram um retrato amplificado de seu sofrimento e fizeram dele a versão mais difundida da tragédia, por meio de um implacável lobby.
O objetivo dessa estratégia, sugere o autor, era criar um sentimento de culpa em escala mundial e, a partir daí, colocar os judeus na posição de vítima preferencial, senão a única, da mais pérfida máquina de destruição de que se tem notícia, dando a eles lucro moral e pecuniário proporcional à dimensão do massacre.
Finkelstein argumenta que esses sobreviventes abusam do conforto criado pela convicção de que, afinal de contas, um sobrevivente não seria capaz de mentir. Como as provas concretas de parte a parte são escassas, fica a palavra de Finkelstein, que nasceu em Nova York oito anos depois do fim da guerra, contra a de Wiesel, que passou pelos campos de Auschwitz e Buchenwald.
Se se limitasse a tentar dissecar a instrumentalização do discurso do Holocausto, Finkelstein teria dado alguma contribuição à discussão do episódio, embora outros estudiosos, com credenciais bem melhores que as dele, já estejam fazendo isso há tempos.
Ele preferiu, porém, o caminho do escândalo, facilitando o trabalho de seus detratores, para quem Finkelstein é um anti-sionista de poucos recursos acadêmicos, que brande sua condição de judeu, filho de sobreviventes do Holocausto, como um salvo-conduto para defender teses absurdas sobre o genocídio.

A Indústria do Holocausto  
Autor: Norman Finkelstein
Tradutor: Vera Gertel
Editora: Record
Quanto: R$ 20 (156 págs.)



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