São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 2007

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Historiadora politiza o desejo e a relação entre gêneros

Para Michelle Perrot, autora de "Minha História das Mulheres", lançado no Brasil, nova onda do feminismo é a conquista definitiva de espaço na política

Agence Vu - Brainpix/Gerard Rondeau
Michelle Perrot, professora da Universidade de Paris e autora de "Minha História das Mulheres"


RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O que querem as mulheres? Assim como Eva, elas querem morder a maçã -mas sem serem expulsas do Paraíso."
A resposta provocativa da historiadora francesa Michelle Perrot, professora emérita da Universidade de Paris, à pergunta capital formulada por Sigmund Freud já apresenta a estratégia seguida por ela para pensar as relações entre homens e mulheres, o desejo e o espaço feminino na sociedade: trata-se sempre e antes de um problema político que de relações e diferenças imutáveis e fundamentais.
É esse método -de resto presente na famosa frase de Simone de Beauvoir, também citada pela historiadora, "Não se nasce mulher; torna-se mulher"- que pode ser encontrado no livrinho "Minha História das Mulheres" (Contexto, R$ 35, 192 págs.), que acaba de ser lançado no país.
Nele Perrot faz uma apresentação simples e didática da presença feminina na sociedade ocidental ao longo da história.
Trata-se quase de uma obra de divulgação -resultado da transcrição de parte de uma série de programas de rádio transmitidos na França em 2005- da importante pensadora do feminismo e da história das mulheres, organizadora -ao lado de um dos maiores nomes da intelectualidade francesa, Georges Duby- de "Histoire des Femmes en Occident" ("História das Mulheres no Ocidente").
Se Freud -ainda ele- era capaz de revelar e pensar angústias de todos os seres humanos ao levar a sério a insatisfação feminina no final do século 19 e início do século passado, Perrot trata essa associação entre mulheres, reclamação e mal-estar com a vida novamente como uma questão de poder.
"A insatisfação feminina é a manifestação do incômodo dos dominados diante de seus senhores", disse ela em entrevista à Folha.
"Desse ponto de vista, um regime de maior igualdade, de repartição por igual das responsabilidades, deve servir para diminuir esse incômodo. A insatisfação é uma expressão da dependência, até mesmo da sujeição. Logo ela é, ao menos em parte, suscetível a ajustes políticos."
Uma das idéias centrais de "Minha História das Mulheres" é que o feminismo, ou, melhor dizendo, os movimentos de conquistas de direitos por parte das mulheres, ocorre em vagas, em momentos de maior força e aparição política, e outros de acomodação.

Feminismo em crise
Perrot diz achar compreensível a atual desconfiança e desconforto com a onda de afirmação dos direitos das mulheres tal como ocorreu nos anos 70.
"Por diversas razões, não é um bom momento para o feminismo", ela diz. "De um lado, as mais jovens têm a impressão de que muitas coisas estão conquistadas e de que a igualdade é um fato. De outro, todos os "ismos" não desfrutam agora de boa reputação."
Mas, ela aposta, o feminismo está sempre pronto a se lançar de novo. "É provável que estejamos hoje no início de uma nova "onda", mais centrada nas questões do poder."
É que, para Perrot, se o momento é ruim para um feminismo mais militante, ao mesmo tempo vivemos uma época de conquistas definitivas e importantes para as mulheres. Ela cita a candidatura de Ségolène Royal à presidência da França e a pré-candidatura de Hillary Clinton nos EUA como fatos decisivos nesse processo.
"Essas candidaturas me parecem muito mais do que simples exceções. Elas não são acidentais, mas, ao contrário, ligadas a esse movimento das mulheres em direção a uma maior participação no poder, no poder propriamente político, um dos últimos bastiões da virilidade", diz Perrot.
"Mais ainda porque não creio que elas sejam casos isolados", continua a historiadora. "Michelle Bachelet, no Chile, e Angela Merkel, na Alemanha, são também figuras significativas. Isso sem falar nas mulheres escandinavas, muito mais habituadas a esses cargos. Hillary e Ségolène são um grande passo em direção à "normalização" das mulheres na política."


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