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Uso de incentivo fiscal no "bonde" divide escritores
Outro ponto criticado no projeto é a suposta "panelinha" entre participantes
Roteiro de viagens, que exclui países mais pobres e inóspitos, também é
questionado pelos contrários à "gandaia"
DA REPORTAGEM LOCAL
A Folha ouviu os principais
personagens dessa polêmica.
Para o editor da Companhia
das Letras, Luiz Schwarcz,
Amores Expressos é um caso
de "uso positivo" da lei. "O que
há de errado em usá-la para
viabilizar a obra de novos autores, numa área em que os recursos são poucos?"
Sérgio Sant'Anna, um dos
passageiros do "bonde", acusou
Mirisola de "mesquinharia e
inveja" e contou que o escritor
pedira, há pouco, que ele escrevesse uma carta de recomendação para que o autor pleiteasse
uma bolsa da Secretaria Municipal da Cultura.
Há quem diga que o projeto
não beneficia em nada a literatura brasileira, somente os escritores que participam dele. É
o caso do escritor Ademir Assunção. "O mercado deve viabilizar a si mesmo, não pode ser
movimentado pelo dinheiro
público. Se fosse para participar de feiras de livros ou de debates em universidades no exterior, ok." Há cerca de dois
anos, Assunção entregou ao
MinC o documento Literatura
Urgente, cobrando fomento à
produção literária. A proposta
não rendeu frutos.
Já Antonio Prata, que vai para Xangai, acha que em vez de
polemizar o "bonde", as pessoas deveriam estar discutindo
se o Estado deveria dar dinheiro para a cultura ou não. "Como avaliar escritores num concurso público? Quem apresentar metáforas por um preço
mais baixo leva?"
Mochilão
O fato de o projeto prever
viagens internacionais, num
circuito tipo Elizabeth Arden,
também irrita os críticos do
Amores Expressos. Ao que parece, alguns considerariam o
projeto aceitável se os viajantes
fossem para lugares mais pobres e inóspitos, com escassas
possibilidades de diversão. É o
argumento do escritor Ricardo
Lísias, que se alinha a Mirisola.
"Por que ninguém vai para a
África negra? Não há amor na
Faixa de Gaza? Nem na favela
de Cité Soleil, no Haiti?"
A escolha das cidades, explica
Cuenca, levou em conta dois fatores: o aspecto mercadológico,
ou seja, a curiosidade que uma
cidade como Tóquio pode gerar
nos leitores. E o aspecto de
identificação da cidade com a
obra do autor: "O Joca Reiners
Terron tem uma relação com
Cairo. O Sérgio Sant'Anna, com
Praga. Existe uma escolha estética sutil aí também. Por achar
que determinada cidade rende
em termos de criação literária,
seja pela afinidade que ela pode
ter com o lugar ou pelo estranhamento que pode causar",
defende Cuenca.
É o amor
A temática do projeto -as
histórias de amor- também foi
alvo de ataques. "Como é que,
em 2007, um escritor pode
aceitar a proposta de escrever
uma história de amor em Paris?
Isso é dinheiro público financiando clichês", solta Mirisola.
Para Sérgio Rodrigues, "essa
coisa dos amores em cidades do
exterior é um pouco jeca". Mas
nem por isso ele se coloca contra a idéia. "Vamos aguardar o
resultado. Torço para que
saiam bons livros daí", conclui.
Também contra os clichês se
posiciona Ana Paula Maia, jovem autora do Rio, que perdeu
o "bonde". "Se me jogassem em
qualquer lugar do mundo, eu
arrumaria umas brigas, me acidentaria, tomaria uns foras, levaria umas porradas e escreveria um "road movie" violento",
brinca a escritora.
Cuenca defende-se dizendo
que acha sedutora a idéia de
histórias de amor que se passam em terras estrangeiras,
que estas podem ser obscuras,
vão variar de acordo com os diferentes estilos literários dos
autores e que formarão um panorama das relações hoje em
dia. Ele diz ainda que vê como
desafio o que os outros vêem
como lugar-comum:
"A Adriana Lisboa vai ter que
inventar uma história de amor
que não seja clichê", diz o escritor. "Nenhum deles vai escrever uma "love story" açucarada.
Você consegue ver o Mutarelli
fazendo algo assim?"
Amigos de Cuenca
Resta o terceiro ponto da polêmica. Blogueiros e escritores
que ficaram de fora do projeto
reclamam em coro de que a seleção configura "formação de
panelinhas", ou seja, privilegia
um grupinho de amigos.
"Quer que eu diga qual é o
critério?", pergunta Mirisola.
"Digo e repito. O critério é o
compadrio, conseqüentemente, a gandaia."
Há quem assuma o ciúme,
como o escritor Santiago Nazarian, que conheceu Cuenca na
primeira edição da Flip (Festa
Internacional de Parati), em
2004, quando passaram uma
temporada na cidade para escrever os contos do livro "Parati para Mim", projeto que incluiu ainda Chico Mattoso, outro escritor convidado a viajar
no "bonde".
"Assumo que fico com inveja,
todo mundo que está de fora fica. Obviamente pode ter pessoas que eles [Teixeira e Cuenca] gostem ou admirem mais
como escritores, mas é claro
que preferem mandar os amigos. Ao mesmo tempo acredito
que eles não iam mandar apenas amigos, que não fossem
bons escritores, e que depois
entregariam uma merda para a
Companhia publicar."
Teixeira se defende. "Ninguém questiona um diretor de
cinema sobre quais artistas vai
usar no seu filme. O projeto é
meu, e eu tenho todo o direito
de usar a lei, já que ela existe."
Cuenca, que dividiu com Teixeira a escolha dos autores, justifica o seu time. "Quem dera eu
fosse amigo pessoal de escritores como Sérgio Sant'Anna e
Bernardo Carvalho, que admiro profundamente. O André de
Leones eu nunca vi. Com o Ruffato eu devo ter me encontrado
duas vezes. Também não chamaria inimigos. Ninguém quer
trabalhar com inimigos."
O jornalista e colunista da
Folha Manuel da Costa Pinto
aponta uma curiosidade no caso dos jovens autores selecionados. "A Companhia das Letras nunca foi uma editora reveladora de talentos, e agora
ironicamente vai sair dessa história como tal."
Sem relevância
Cuenca por fim afirma que
"nenhuma voz relevante" se levantou contra o projeto, apenas
"meia dúzia de comentaristas
de blog". E dá um conselho aos
que não entraram: "Que se articulem, formalizem um projeto
e usem a Lei Rouanet".
(EDUARDO SIMÕES e SYLVIA COLOMBO)
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