São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

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Crítica/teatro/"Mãe Coragem e Seus Filhos"

Montagem de Brecht pelo Armazém cria distanciamento sutil

Evitando didatismo raso e sem perder humor e densidade, peça marca encontro entre atriz Louise Cardoso e o grupo

SÉRGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

"Mãe Coragem e Seus Filhos", que retomou sua turnê com a presença no Festival de Curitiba, é antes de tudo o encontro entre Louise Cardoso e o grupo Armazém, e ambos ganharam com o encontro.
Cardoso faz uma Mãe Coragem com grande simpatia, enfrentando as vicissitudes da guerra com um riso feroz, sedutora e odiosa quando preciso.
Ao visitar o universo do dramaturgo alemão Bertold Brecht, menos lírico do que o costumeiro no repertório da companhia, o Armazém provou ter conquistado uma posse plena da palavra (ajudados pela boa tradução de Maurício Arruda Mendonça), sem perder o humor e o aprofundamento, evitando assim o didatismo raso que tanto mal faz às encenações brechtianas ortodoxas.
Mas algo desandou na receita. Mesmo contando com Simone Mazzer, cuja voz poderosa acaba fazendo sua Ivete ofuscar o canto mais contido de Cardoso, as canções brechtianas, atrações fixas do texto, soam como um apêndice incômodo no espetáculo.
Embaraçadas em uma indefinição de arranjo, que, embora contando com músicos ao vivo, tem na percussão seu maior apoio, as canções não cumprem a sua maior função de causar distanciamento.

Estilo próprio
É porque o grupo, ao seu estilo, garante o distanciamento de modo mais sutil, nas pausas cômicas de Mazzer e Thales Coutinho, como na impagável cena em que a fila de reclamações vai se desfazendo aos poucos, ou nos elementos simbólicos abertamente assumidos, como quando Sérgio Medeiros faz o papel do pato a ser vendido ao cozinheiro do regimento.
O Brecht expressionista está garantido pelo cenário, mais uma parceria entre o diretor Paulo de Moraes e a cenógrafa Carla Berri: uma estranha paisagem de ferrugem no painel de metal ao fundo, enquanto no proscênio um arqueólogo narrador (a eficiente Verônica Rocha) vai desenterrando caveiras, a morte inevitável, tema essencial da peça.
A degradação pelo tempo e o passado obscuro, não histórico, estão igualmente concretizados pela carroça, carcaça reaproveitada de um avião da Primeira Guerra.
O Armazém se mostra uma companhia sólida ao permitir o rodízio de seus atores. A grande Patrícia Selonk faz o papel pequeno, mas precioso da filha muda, o que lhe permite um extraordinário estudo expressionista, enquanto Ricardo Martins, um marcante Queijinho, e Marcelo Guerra, um vigoroso Eilif, vêm à linha da frente com firmeza.
Depois do ápice de "Toda Nudez Será Castigada", "Mãe Coragem e Seus Filhos" figura como uma montagem menor do Armazém, mas não chega a decepcionar.


MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS
Avaliação:
bom


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