São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2000


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TELEVISÃO
Guel reinventa Brasil com talento

TELMO MARTINO
Colunista da Folha


Guel Arraes é Guel Arraes, mas depois das topadas nas muralhas, contar 500 anos nos dedos há muito deixou de ser diversão. Melhor assim. Já nos primeiros instantes de "A Invenção do Brasil", notou-se que, assunto à parte, a conversa já era inteiramente outra. E Guel Arraes -que delícia!- é Guel Arraes.
Já se tinha a informação de que Selton Mello seria Caramuru, "filho do fogo, sobrinho do trovão" na marchinha de um Carnaval distante e que Camila Pitanga seria Paraguassu. Informação que pouco estimulava. Daí o acerto de se colocar o Marco Nanini, de terninhos que C. Chanel cobiçaria, contando a chegada dos portugueses ao paraíso e os assombros dos tupiniquins. Marco Nanini não usa apenas roupinhas cobiçáveis, é visto à distância caminhando por uma Lisboa de incrível beleza num desenho que seria de época. Vistas de Lisboa são cobiçadas pela variedade de suas belezas, mas o mapa em questão desperta todo amor a Portugal.
Muito antes de virar Caramuru, Selton Mello era pintor com Michelangelo e outros na inspiração. Em 1498, a descoberta do caminho das Índias é comparada à chegada do homem à Lua. Será por uma incontrolável vontade de humor? Dizer que a torcida do Vasco aclamou o navegador é muito engraçado. Afinal, foi o Vasco quem trouxe sabor e assanhamento para todo mundo com seu carregamento de pimenta.
Tantas viagens estonteantes colocaram os mapas na moda. "Eram segredo de Estado e atraíam gente da pior espécie". Nada mais natural que uma aspirante à marquesa de Sevigny andasse com uma caravela de arame no topo do penteado. Debora Bloch se diverte e todo mundo vai atrás. Pede ao pintor Selton um retrato bem ardente para ilustrar um mapa como uma versão portuguesa daquela "venusinha" com guirlandas do Botticelli.
Basta alguém se referir aos mares nunca d'antes navegados para o Dorival Caymmi assegurar, todo cantante, que é doce morrer no mar. E também é bom ouvir que a maior parte do sal no mar salgado são lágrimas de Portugal.
Alguma dessas lágrimas brotam dos olhos de Selton Mello. Vítima das maldades de um Luís Melo exultante em sua canastronice, o pintor sofre nos porões de um navio. Diogo Vilela, degredado profissional, procura convencê-lo a se vestir de mulher para ser desembarcado. Pois sim que o guloso Luís Melo deixa.
O Atlântico é um mar tenebroso. É como uma viagem num trem-fantasma de parque de diversões. Depois de algumas informações sobre os complicados astrolábios e a notícia de que a caravela é uma invenção portuguesa, reencontramos Selton Mello como Diogo Álvares no maior aconchego com sua Paraguassu.
Olhem o achado: a carta de Pero Vaz Caminha é a certidão de nascimento do Brasil. Que os passeios e programas da Páscoa tenham permitido aproveitar todinho o minúsculo seriado. Guel Arraes é Guel Arraes.


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