São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Formato e direitos travam e-book

Carência tecnológica e dúvida sobre divisão de receitas impedem expansão

Editoras brasileiras recorrem a asiáticos para converter arquivos, enquanto mercado nacional se debate sobre modelo de negócios a adotar

Karime Xavier/Folha Imagem
A máquina-robô "Maria Bonita", que digitaliza livros e documentos raros da coleção de José Mindlin doada à Brasiliana da USP

FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Se livrarias virtuais brasileiras já têm milhares de livros eletrônicos à venda, por que tão poucos títulos são em português? Por que esse mercado, ascendente nos EUA, não deslanchou no Brasil? As perguntas, que circulam no meio editorial e entre leitores, não têm respostas prontas nem simples, mas por ora duas surgem como mais esclarecedoras.
Uma, inacreditável, é tecnológica: o país praticamente não tem mão de obra especializada para converter os livros para o formato escolhido até agora como padrão pelo mercado, o ePUB. A outra razão é empresarial: editoras, livrarias e autores não definiram um modelo de negócios, ou seja, não há consenso sobre o preço médio do livro, sobre a divisão de receitas entre as partes da cadeia produtiva e, o mais grave, a maioria das editoras terá de renegociar os contratos com os autores, já que os atuais não preveem direitos digitais.
No primeiro caso, chama a atenção a experiência da Zahar, pioneira na venda de e-books no país. A editora recorre a empresas na Índia e nas Filipinas, subcontratadas de firmas nos EUA, para transformar em ePUB os seus livros digitais.
Desenvolvido pelo IDPF (fórum internacional de publicações digitais) para ser o formato padrão do mercado, o ePUB é mais dinâmico que o popular PDF, pois o fluxo e o corpo do texto se adequam ao aparelho.
Após diagramar o livro, a Zahar envia o arquivo para a Ásia.
Quando ele volta, em formato ePUB, "perde a formatação e às vezes o conteúdo", conta a diretora Mariana Zahar. Dá-se então um contato tortuoso com indianos ou filipinos, para que o serviço seja corrigido. "Vira um caos, é uma novela", queixa-se. A editora, por isso, estuda voltar ao PDF.
O tradicional formato é defendido também por Carlos Eduardo Ernanny, dono da Gato Sabido, primeira loja de e-books do país. "É muito bizarro, há quatro meses tenho dois desenvolvedores de sistema sêniores trabalhando na criação de um conversor de formatos, e estamos apanhando."
Ele afirma que insistirá, mas defende que "não se deve atrasar publicação de livro se só houver PDF, que é um formato gostoso de ser lido".
"Não adianta editoras quererem recuperar o passado inteiro. Ele está perdido", diz Ernanny, outro a sofrer com os prestadores de serviço asiáticos. "É seríssimo. Os livros vêm sem cedilha nem hífen. Você também não entende o que eles falam, aquilo não é inglês."
Recém-chegada à venda de e-books (começou as vendas neste mês), a Livraria Cultura diz ter especialistas que já convertem os livros para ePUB. "É gente daqui e de outro mundo", despista o dono da rede, Pedro Herz, questionado sobre onde contratou a mão de obra.
A Cultura, apurou a Folha, já está convertendo sob encomenda para editoras. Mas Herz continua cético quanto a um crescimento veloz do livro digital. Em quase um mês, diz ter vendido apenas 134 e-books. "É muito pouco."
O livreiro é um dos que defendem que o maior nó do mercado é a rediscussão dos direitos autorais. "O medo está aí. Isso vai inundar o Judiciário."
Diretor da Singular, loja virtual do grupo Ediouro, Newton Neto concorda com Herz. Embora também seja cliente dos asiáticos para converter formatos, ele avalia que o debate sobre modelo de negócios e renegociação de direitos ainda está "muito aberto e confuso".
Ainda incipiente na oferta de e-books, a Singular aposta também em outros canais, como a impressão sob demanda e a parceria com o Google na polêmica investida da multinacional para digitalizar todos os livros possíveis e negociar direitos só com quem buscá-los.
Outro entrave ao desenvolvimento do mercado no Brasil é o preço dos leitores eletrônicos. Todos são importados e custam em média US$ 250 (R$ 440), fora impostos, que podem dobrar o valor. A Gato Sabido vende seu Cool-er, inglês, ao preço final de R$ 750.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Sayad critica jornalismo da TV Cultura
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.