São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 2002

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3º CHIVAS FESTIVAL

Ibrahim apresenta jazz em feitio de oração

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em sua primeira apresentação no Brasil, anteontem, o lendário pianista Abdullah Ibrahim transportou o inóspito DirecTV Music Hall para algum topo perdido de monte em alguma cordilheira nebulosa do globo.
Mais do que música, foi meditação o que propôs o instrumentista e compositor sul-africano de 67 anos na primeira noite do 3º Chivas Jazz Festival em São Paulo.
Ibrahim, ou Adolphus "Dollar" Brand, como era conhecido antes de sua conversão ao islamismo, em 1968, chegou ao palco de bata roxa e olhar longínquo. Sentou ao piano e tocou por uma hora, sem deixar nenhum vazio entre o final de um tema e o começo de outro.
Domínio do espaço musical, aliás, foi uma das grandes qualidades da apresentação do pianista. Escoltado pelo também elegante baixista Beldon Bullock e pelo competente, ainda que por vezes ruidoso, baterista George Gray, Ibrahim mesclou com maestria as suas intervenções com os silêncios que vivem dentro de cada música.
Suas raízes jazzísticas ficaram bastante expostas. Por um lado, demonstrou a introspecção e a sonoridade angulosa de Thelonious Monk. Por outro, a matriz melodiosa e suingada de Duke Ellington, mito jazzístico que Ibrahim não só conheceu pessoalmente como também acompanhou em shows e gravações.
Além disso, existe a África do Sul, de cujo vasto território sonoro o pianista garimpou fascinantes texturas rítmicas.
O espetáculo terminou com ovação de vários minutos e com o trio agradecendo como fazem os mestres orientais: as palmas das mãos unidas, paradas na altura do peito, o tronco levemente inclinado para baixo. Jazz com feitio de oração, do começo ao fim.
A segunda atração do Chivas Festival só trouxe em comum um jazz com pluralidade de sotaques. Mas o território introspectivo de Abdullah Ibrahim deu lugar aos padrões extrovertidos do sexteto do israelense Avishai Cohen.
Considerado ano após ano uma das grandes revelações do contrabaixo pela revista "Down Beat", o músico privilegiou o piano, seu primeiro instrumento, para apresentar um jazz contemporâneo e rico em variedades sonoras.
Com uma banda multinacional, com músicos de Cuba, Israel e Argentina -o destacado trompetista Diego Urcola-, Cohen aliou generosas pitadas latinas a um padrão sonoro movimentado e encrencado, digno de Chick Corea, pianista com quem vem se apresentando (e com quem já veio ao Brasil, em 1998).



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