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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Monopólios da violência
Só haverá futuro para um Estado quando este for capaz de destruir os monopólios de violência que lhe são rivais
SEMANA TRISTE. Enquanto São
Paulo ardia e matava, eu passava o meu tempo lendo, escrevendo e comentando na TV as
tragédias da cidade. Fenômeno uniforme: para a opinião européia, os
ataques são resultado evidente de
desigualdades brutais que alimentam confrontos brutais. De acordo
com o pensamento estabelecido,
pobreza gera crime que gera pobreza. Solução? Acabar com a pobreza
que gera crime que gera pobreza.
Existe alguma verdade nessa versão. Mas só parte dela tem utilidade
para entender os dias de terror.
Cláudio Lembo afirma que os comportamentos da elite branca não
são recomendáveis? Sou insuspeito
de simpatias marxistas e, com a devida vênia ao governador, escrevi o
mesmo há uns meses, nesta Folha,
sobre as "antielites" do Brasil
(Mais!, 4/9/2005). Não é só a vulgaridade e o exibicionismo que
horrorizam qualquer criatura
mortal. É a ausência de "dever": de
pensar o país como um todo e não
como feudo privado onde se reproduzem os piores vícios de um regime informalmente escravagista.
Mas, se Lembo está certo na análise, está errado no tempo da análise. Só é possível discutir o papel
das elites num Estado moderno
quando, logo para começar, existe
um Estado moderno. E entender o
que significa um Estado moderno
implica entender como ele emergiu e como ele sobrevive hoje.
Max Weber, pouco lido, mas
muito certo, deixou uma análise
que mantém validade: o Estado só
emergiu como estrutura de jurisdição independente porque foi capaz de expropriar a autoridade e a
violência de senhores feudais que,
no interior de um território, exerciam seu poder. A emergência do
Estado implicou, no fundo, um
confronto com esses poderes disseminados e a capacidade de os
submeter ao monopólio de violência que é prerrogativa do Estado.
Qualquer discussão sobre o Estado
moderno começa na capacidade
deste para impor a violência sobre
seu território e, no caso de um Estado de Direito, de impor uma violência legítima em caso de perigo.
O combate à pobreza pode ser
uma luta crucial para o futuro do
Brasil. Mas, antes dessa luta, existe
outra, bem mais primária no sentido histórico do termo. Experiências recentes, a começar em Nova
York, mostraram isso: no espaço
de uma geração, uma descida de
70% no crime não se fez com "programas sociais". Não se fez, para
usar a palavra da moda, com mais
"inclusão". Fez-se com mais "reclusão", policiando e quebrando
organizações criminosas que eram
pequenos Estados dentro do Estado. Uma atitude que acabou por
ter um efeito surpreendente: com
a descida do crime na sociedade,
desceu o número de detenções, ou
seja, desceu uma população prisional que se julgava condenada a
uma sobrelotação explosiva. Não é
apenas a pobreza que gera o crime.
É o crime que gera o crime.
Nos últimos dias, São Paulo regressou a uma era pré-moderna,
em que senhores feudais ditaram
as regras a seus vassalos: ditaram a
guerra e a paz. Se a história ensina
alguma coisa, é que só haverá futuro para a sobrevivência de um Estado quando este for capaz de destruir os monopólios de violência
que rivalizam com o seu. Uma luta
de vida ou morte. Literalmente.
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