Artista usa material como rochoso como suporte de desenhos e paradoxos

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Num primeiro relance, é de se estranhar que as novas obras do artista plástico Cabelo, 38, em sua mostra "Escrito pelo Raio", na galeria Marília Razuk, sejam feitas de pedra-sabão. Rocha mais utilizada em artesanato -apesar da dignidade alcançada por Aleijadinho, em fins do século 18 e começo do 19, com a pedra-sabão na série dos profetas-, as novas esculturas, em formato de tartarugas, sem um olhar mais detido, não dão a impressão de serem realizadas por um artista contemporâneo. Entretanto, quem se aproxima das rochas percebe que elas servem como suporte para o típico desenho de Cabelo, fluído e complexo. "Esse trabalho começou em Ouro Preto, no ano passado. Fiquei interessado pela pedra e fiz alguns testes. Agora passei três semanas por lá realizando essa série", conta o artista. Sobre o novo suporte, Cabelo trabalha uma série de paradoxos inspirado por filósofos pré-socráticos, especialmente nos "Fragmentos", de Heráclito, alguns inscritos sobre a pedra-sabão, como "para cima, para baixo, o caminho um e o mesmo". Já na própria escolha da rocha como suporte, tal característica se apresenta, já que se trata de um elemento duro e ao mesmo tempo maleável. Nas cerca de 20 esculturas, o artista cria também certas ironias, como escrever "Aqui" e "Agora", em duas delas. "Estou interessado em discutir a intensificação do instante, que é uma proposta do budismo", diz Cabelo. As tartarugas, símbolo da lentidão, também acabam representando o próprio estilo de trabalho de Cabelo, com o "low tech" dos desenhos e do ato de esculpir. Além das esculturas, o artista apresenta ainda três desenhos em tecido nas paredes. A maneira orgânica e fluída desses desenhos tem, segundo o artista, uma relação com a música, outra de suas atividades. No próximo ano, Cabelo deve lançar disco, com produção de Lulu Santos. Leia um trecho de "Abusada", sua nova composição, no quadro ao lado.