São Paulo, sábado, 24 de maio de 2008

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Crítica/"Rio das Flores"

Com apoio em fatos verídicos, Tavares abusa do didatismo

Miguel Sousa Tavares narra a saga de irmãos por eventos de Portugal, Espanha e Brasil

ESPECIAL PARA A FOLHA

Nada mais previsível e incômodo do que terminar um livro de ficção como "Rio das Flores", de Miguel Sousa Tavares, e encontrar uma nota explicativa do autor afirmando que todo o seu pano de fundo é baseado em apuradíssima pesquisa, que os fatos históricos na obra são absolutamente verídicos e, para arrematar, uma bibliografia de textos consultados.
Se cabe à literatura a prerrogativa da invenção, por que cargas d'água escolher o filtro da realidade de modo tão rígido (e anunciá-lo, como se isso fosse grande mérito)? Se é para estabelecer restrições, Italo Calvino, Georges Perec e seus colegas do Oulipo (Laboratório de Literatura Potencial) demonstraram abundantemente que existem soluções bem mais criativas.

Didatismo
Na sua busca de inserir a "saga" de dois irmãos do interior de Portugal pelos eventos do país, da Espanha e do Brasil nas primeiras décadas do século 20, o autor, ainda por cima, abusa do didatismo, repetindo com insistência um esquema pelo qual um personagem diz algo e, logo em seguida, o assunto é "esclarecido" pelo narrador. Por exemplo (quem fala aqui é Diogo, o irmão engenheiro): "O que se passa em Espanha? Houve eleições, ganharam os republicanos e os socialistas e há um governo legítimo em funções. Um governo escolhido pelo povo: conhece melhor alternativa para governar nações?".
Aí entra em cena o narrador: "Diogo referia-se às eleições legislativas de 28 de junho desse ano, 1931, que tinha levado a esquerda ao poder em Espanha (...)". Nesse caso, a "explicação" ocupa apenas um pequeno parágrafo. Para descrever a ascensão de Salazar, o leitor é brindado com oito páginas ("Ia fazer três anos que fora instaurada a Ditadura Militar e dois anos que a revolta de 27 havia sido sufocada...").
E assim, por mais de 600 páginas, caminha o romance, que se lê com uma mistura pouco saudável de fluência e indiferença, bem como com uma vontade crescente de ler (ou reler) Stendhal, que entendeu, tanto tempo atrás, como jogar esse tipo de jogo, um jogo cujas regras parecem cada vez mais difíceis de acompanhar. (ADRIANO SCHWARTZ)

RIO DAS FLORES
Autor:
Miguel Sousa Tavares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (624 págs.)
Avaliação: regular


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