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Crítica/"Rio das Flores"
Com apoio em fatos verídicos, Tavares abusa do didatismo
Miguel Sousa Tavares narra a saga de irmãos por eventos de Portugal, Espanha e Brasil
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nada mais previsível e
incômodo do que terminar um livro de ficção como "Rio das Flores", de
Miguel Sousa Tavares, e encontrar uma nota explicativa do
autor afirmando que todo o seu
pano de fundo é baseado em
apuradíssima pesquisa, que os
fatos históricos na obra são absolutamente verídicos e, para
arrematar, uma bibliografia de
textos consultados.
Se cabe à literatura a prerrogativa da invenção, por que cargas d'água escolher o filtro da
realidade de modo tão rígido (e
anunciá-lo, como se isso fosse
grande mérito)? Se é para estabelecer restrições, Italo Calvino, Georges Perec e seus colegas do Oulipo (Laboratório de
Literatura Potencial) demonstraram abundantemente que
existem soluções bem mais
criativas.
Didatismo
Na sua busca de inserir a "saga" de dois irmãos do interior
de Portugal pelos eventos do
país, da Espanha e do Brasil nas
primeiras décadas do século
20, o autor, ainda por cima,
abusa do didatismo, repetindo
com insistência um esquema
pelo qual um personagem diz
algo e, logo em seguida, o assunto é "esclarecido" pelo narrador. Por exemplo (quem fala
aqui é Diogo, o irmão engenheiro): "O que se passa em Espanha? Houve eleições, ganharam os republicanos e os socialistas e há um governo legítimo
em funções. Um governo escolhido pelo povo: conhece melhor alternativa para governar
nações?".
Aí entra em cena o narrador:
"Diogo referia-se às eleições legislativas de 28 de junho desse
ano, 1931, que tinha levado a esquerda ao poder em Espanha
(...)". Nesse caso, a "explicação"
ocupa apenas um pequeno parágrafo. Para descrever a ascensão de Salazar, o leitor é brindado com oito páginas ("Ia fazer
três anos que fora instaurada a
Ditadura Militar e dois anos
que a revolta de 27 havia sido
sufocada...").
E assim, por mais de 600 páginas, caminha o romance, que
se lê com uma mistura pouco
saudável de fluência e indiferença, bem como com uma
vontade crescente de ler (ou reler) Stendhal, que entendeu,
tanto tempo atrás, como jogar
esse tipo de jogo, um jogo cujas
regras parecem cada vez mais
difíceis de acompanhar.
(ADRIANO SCHWARTZ)
RIO DAS FLORES
Autor: Miguel Sousa Tavares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (624 págs.)
Avaliação: regular
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