São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Sustentável leveza

Vencedora do Pritzker e diretora da Bienal de Arquitetura de Veneza, Kazuyo Sejima defende modernidade despojada e delicada

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Ela veste Comme des Garçons e fuma três maços de cigarro por dia. Também é viciada em vidro e concreto.
Seu corpo esguio parece extensão das formas que constrói. Kazuyo Sejima é a segunda mulher na história a vencer o Pritzker, maior prêmio mundial da arquitetura.
Sua escolha parece corrigir os rumos de um sistema que foi à forra nos anos de bonança do capital financeiro, com prédios tortuosos e estrambóticos -a primeira vencedora, Zaha Hadid, mulher grande, de cabelos e olhos grandes, é conhecida por essa volúpia da forma.
Sejima representa outra era. É o cérebro do grupo Sanaa, escritório japonês que se tornou um dos mais influentes do mundo por suas formas simples, contornos esmaecidos entre dentro e fora e o uso de uma transparência absoluta e exacerbada.
"Estamos vivendo numa sociedade pós-ideológica", diz Sejima, em entrevista à Folha, já com o Pritzker conquistado. À frente desses novos tempos, ela também foi escalada para dirigir a próxima Bienal de Arquitetura de Veneza, em agosto.
"Começou, de fato, o século 21", diz Sejima. "Acredito que a arquitetura pode esclarecer valores, forjar esses estilos de vida do presente."
Numa filosofia um tanto abstrata, Sejima acredita em prédios que surgem de laços afetivos e relacionamentos.
"Estamos mais conectados do que nunca, pela economia, pela cultura", afirma. "Isso muda a consciência, dá uma liberdade disparatada no mundo contemporâneo."
No fundo, quer uma arquitetura moldada por encontros pessoais, um modo de construção como "gerador de novos entendimentos".
Traduzida para o espaço, essa ideia dá margem a prédios transparentes, de traços fluidos e irregulares, arquitetados de forma livre.
Seu desenho para o Museu de Arte do Século 21, em Kanazawa, no Japão, é um grande invólucro de vidro para salas de tamanhos diferentes, dispostas ao longo de um labirinto de corredores.
Toda a estrutura é transpassada pela luz do sol. No cair da tarde, esses volumes construídos parecem derreter numa vibração luminosa.
Ela atinge o mesmo efeito na sede do New Museum, em Nova York. São salas expositivas em formato de caixas irregulares, empilhadas numa torre de linhas austeras.
Um gradeado metálico na fachada filtra a luz e torna todo o conjunto uma presença etérea no meio das construções dilapidadas de tijolos à vista do Lower East Side.

FINO DEMAIS
Se a ordem é fundir dentro e fora, numa atualização de preceitos modernistas, a técnica precisa seguir a forma. Sejima exige paredes finas, como os ossos tênues que sustentam sua figura.
Numa escola de design que projetou na Alemanha, aquece toda a construção reaproveitando a água quente descartada por uma mina de carvão, o que permite fazer paredes que são só casca.
Passados os excessos da última década, e por isso ela diz que agora é que começou o século 21, Sejima põe a forma a serviço de projetos sustentáveis e despojados, livres de ornamentos e carregados de função. Torna sofisticado o surrado discurso ecológico.
Na Bienal de Veneza, adianta que vai construir uma nuvem artificial dentro de um dos pavilhões, ilustrando a ideia de contornos efêmeros para os espaços.
Também convidou o escritório francês R&Sie(n) para fazer uma casa com paredes que reagem à luz do sol, mostrando o impacto da luminosidade sobre as construções.
"Será uma tentativa de forçar novas leituras do espaço físico", resume Sejima.
"São maneiras de instigar relações entre as pessoas, já que elas surgem do espaço", afirma. "São as pessoas que estruturam as construções."


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