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Sustentável leveza
Vencedora do Pritzker e diretora da Bienal de Arquitetura de Veneza, Kazuyo Sejima defende modernidade despojada e delicada
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Ela veste Comme des Garçons e fuma três maços de cigarro por dia. Também é viciada em vidro e concreto.
Seu corpo esguio parece
extensão das formas que
constrói. Kazuyo Sejima é a
segunda mulher na história a
vencer o Pritzker, maior prêmio mundial da arquitetura.
Sua escolha parece corrigir os rumos de um sistema
que foi à forra nos anos de
bonança do capital financeiro, com prédios tortuosos e
estrambóticos -a primeira
vencedora, Zaha Hadid, mulher grande, de cabelos e
olhos grandes, é conhecida
por essa volúpia da forma.
Sejima representa outra
era. É o cérebro do grupo Sanaa, escritório japonês que
se tornou um dos mais influentes do mundo por suas
formas simples, contornos
esmaecidos entre dentro e fora e o uso de uma transparência absoluta e exacerbada.
"Estamos vivendo numa
sociedade pós-ideológica",
diz Sejima, em entrevista à
Folha, já com o Pritzker conquistado. À frente desses novos tempos, ela também foi
escalada para dirigir a próxima Bienal de Arquitetura de
Veneza, em agosto.
"Começou, de fato, o século 21", diz Sejima. "Acredito
que a arquitetura pode esclarecer valores, forjar esses estilos de vida do presente."
Numa filosofia um tanto
abstrata, Sejima acredita em
prédios que surgem de laços
afetivos e relacionamentos.
"Estamos mais conectados
do que nunca, pela economia, pela cultura", afirma.
"Isso muda a consciência, dá
uma liberdade disparatada
no mundo contemporâneo."
No fundo, quer uma arquitetura moldada por encontros pessoais, um modo de
construção como "gerador
de novos entendimentos".
Traduzida para o espaço,
essa ideia dá margem a prédios transparentes, de traços
fluidos e irregulares, arquitetados de forma livre.
Seu desenho para o Museu
de Arte do Século 21, em Kanazawa, no Japão, é um
grande invólucro de vidro
para salas de tamanhos diferentes, dispostas ao longo de
um labirinto de corredores.
Toda a estrutura é transpassada pela luz do sol. No
cair da tarde, esses volumes
construídos parecem derreter numa vibração luminosa.
Ela atinge o mesmo efeito
na sede do New Museum, em
Nova York. São salas expositivas em formato de caixas irregulares, empilhadas numa
torre de linhas austeras.
Um gradeado metálico na
fachada filtra a luz e torna todo o conjunto uma presença
etérea no meio das construções dilapidadas de tijolos à
vista do Lower East Side.
FINO DEMAIS
Se a ordem é fundir dentro
e fora, numa atualização de
preceitos modernistas, a técnica precisa seguir a forma.
Sejima exige paredes finas,
como os ossos tênues que
sustentam sua figura.
Numa escola de design
que projetou na Alemanha,
aquece toda a construção
reaproveitando a água quente descartada por uma mina
de carvão, o que permite fazer paredes que são só casca.
Passados os excessos da
última década, e por isso ela
diz que agora é que começou
o século 21, Sejima põe a forma a serviço de projetos sustentáveis e despojados, livres
de ornamentos e carregados
de função. Torna sofisticado
o surrado discurso ecológico.
Na Bienal de Veneza,
adianta que vai construir
uma nuvem artificial dentro
de um dos pavilhões, ilustrando a ideia de contornos
efêmeros para os espaços.
Também convidou o escritório francês R&Sie(n) para
fazer uma casa com paredes
que reagem à luz do sol, mostrando o impacto da luminosidade sobre as construções.
"Será uma tentativa de forçar novas leituras do espaço
físico", resume Sejima.
"São maneiras de instigar
relações entre as pessoas, já
que elas surgem do espaço",
afirma. "São as pessoas que
estruturam as construções."
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