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MÚSICA
Gal Costa começa hoje em São Paulo temporada de seu novo show, estabelecendo clima de intimidade com a platéia
"João Gilberto de saias" se solta no violão
LUIZ CAVERSAN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A emoção não está reprimida,
mas a sensação é a de que existe
uma linha de contenção para os
arroubos e grandiloqüências.
Os tons são sempre médios, embora a voz esteja absolutamente
cristalina e aqui e ali alcance um
agudo mais cortante.
O que predomina, no entanto, é
um clima joãogilbertiano de sofisticação vocal e timbres elaborados, harmonias ricas e, mais que
tudo, um repertório brasileiramente luxuoso.
Quem tem ouvido Gal Costa
cantar nos últimos tempos provavelmente vai estranhar: não há
profusões de instrumentos e/ou
arranjos, tampouco os vibratos a
compensar a voz ligeiramente delimitada pelo diafragma contido.
Não, a Gal Costa que vem a São
Paulo remete muito mais ao "João
Gilberto de saias", apelido que ganhou no início da carreira a cantora de voz colocada, jeito brejeiro
e violão em punho dos anos 70.
Mesmo porque o violão está de
volta em três canções.
A Folha teve a oportunidade de
acompanhar no último sábado,
num estúdio do Rio, boa parte de
um dos ensaios para o show.
De cara, a surpresa: um quarteto inusual: baixo acústico, violão,
bateria discreta e sopros (saxofones variados e flauta).
Nada de piano, quase nada de
eletricidades. Aliás, no último caso, perfeitamente dispensáveis
diante do repertório de clássicos
da música brasileira, uma coletânea de mitos -de Herivelto Martins a Assis Valente, passando por
Nelson Cavaquinho, Ary Barroso,
Caymmi, Custódio Mesquita, Lupicínio Rodrigues e, claro, Caetano e Jards Macalé/Waly Salomão.
O que soou naquele estúdio encravado na floresta da Tijuca contextualizava esses talentos do cancioneiro popular de uma forma a
resgatar Gal ao que tem tudo para
ser uma nova e profícua fase.
De cara, o susto diante de "Assum Preto" em dueto de sax soprano com uma voz remoçada de
Gal -ela perdeu peso, livrou-se
da pressão no diafragma e na sustentação das notas.
Mais surpresa ainda diante da
passagem surpreendente do clássico de Luiz Gonzaga para outra
pérola, imortalizada por ela, "Vapor Barato" (Macalé/Salomão). A
emoção percorre o estúdio, atingindo um sereno clímax na vocalize final com o jogo de palavras
em "Oh minha honey/ baby/ oh,
honey, baby".
Detalhes
A cada nova canção, um detalhe
de beleza (como na voz a capela
de "Alguém Cantando", de Caetano), ousadia (o solo de baixo
acústico para acompanhar "Nada
Além", de Custódio Mesquita/
Mario Lago, realçando o lado jazzístico daquele velho fox) ou de
serenidade (na belíssima "Folhas
Secas", de Nelson Cavaquinho).
Ao violão, depois de dois instrumentos roubados e décadas de
afastamento, ela retorna com
"Um Favor", de Lupicínio, e com
"Nega Manhosa" e "Samba Rubro Negro", na melhor tradição
do samba de conteúdo jocoso.
A volta ao instrumento é trabalhosa: "Até que tenho uma boa
ginga na mão direita, porém a esquerda é muito ruim. Mas os amigos estão ajudando e vai ser legal
criar essa intimidade com a platéia", afirmou a cantora.
Quanto à sonoridade do conjunto do show, ela garante que a
intenção era mesmo a busca da
delicadeza: "Há uma evidente conexão com João Gilberto, estou
retomando uma aproximação
que tive com ele desde sempre.
Aquela coisa de ficar com o sentimento em suspensão, meio que
na ponta do pé, quase sussurrando, trabalhando a técnica de respiração e colocação das notas".
Esse sentimento foi devidamente captado e será explorado em cena pela diretora do espetáculo,
Bia Lessa, para quem o tipo de
musicalidade que vai rolar exige
que se crie "algo fora do tempo".
"Sem passado, presente, futuro;
sem compromisso com a forma,
com a música em suspensão."
Pelo que foi possível perceber
no ensaio do Rio, em suspensão
deverá ficar a platéia paulistana
diante dessa "nova" Gal Costa.
GAL COSTA. Direção: Bia Lessa. Com: Zé
Canuto (sopros), Marcos Teixeira
(violões), Bororó (contrabaixo) e Jurim
Moreira (bateria). Direção musical:
Eduardo Souto Neto. Roteiro: Gal Costa e
Mario Canivello. Onde: DirecTV Music
Hall (av. dos Jamaris, 213, Planalto
Paulista, região sul de São Paulo, tel. 0/
xx/11/3177-3663). Quando: hoje, às
21h30; amanhã e sáb., às 22h; e dom., às
20h. Quanto: de R$ 40 a R$ 80.
O jornalista Luiz Caversan viajou ao Rio
a convite da produção do show
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