São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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MÚSICA

Gal Costa começa hoje em São Paulo temporada de seu novo show, estabelecendo clima de intimidade com a platéia

"João Gilberto de saias" se solta no violão

LUIZ CAVERSAN
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A emoção não está reprimida, mas a sensação é a de que existe uma linha de contenção para os arroubos e grandiloqüências.
Os tons são sempre médios, embora a voz esteja absolutamente cristalina e aqui e ali alcance um agudo mais cortante.
O que predomina, no entanto, é um clima joãogilbertiano de sofisticação vocal e timbres elaborados, harmonias ricas e, mais que tudo, um repertório brasileiramente luxuoso.
Quem tem ouvido Gal Costa cantar nos últimos tempos provavelmente vai estranhar: não há profusões de instrumentos e/ou arranjos, tampouco os vibratos a compensar a voz ligeiramente delimitada pelo diafragma contido.
Não, a Gal Costa que vem a São Paulo remete muito mais ao "João Gilberto de saias", apelido que ganhou no início da carreira a cantora de voz colocada, jeito brejeiro e violão em punho dos anos 70.
Mesmo porque o violão está de volta em três canções.
A Folha teve a oportunidade de acompanhar no último sábado, num estúdio do Rio, boa parte de um dos ensaios para o show.
De cara, a surpresa: um quarteto inusual: baixo acústico, violão, bateria discreta e sopros (saxofones variados e flauta).
Nada de piano, quase nada de eletricidades. Aliás, no último caso, perfeitamente dispensáveis diante do repertório de clássicos da música brasileira, uma coletânea de mitos -de Herivelto Martins a Assis Valente, passando por Nelson Cavaquinho, Ary Barroso, Caymmi, Custódio Mesquita, Lupicínio Rodrigues e, claro, Caetano e Jards Macalé/Waly Salomão.
O que soou naquele estúdio encravado na floresta da Tijuca contextualizava esses talentos do cancioneiro popular de uma forma a resgatar Gal ao que tem tudo para ser uma nova e profícua fase.
De cara, o susto diante de "Assum Preto" em dueto de sax soprano com uma voz remoçada de Gal -ela perdeu peso, livrou-se da pressão no diafragma e na sustentação das notas.
Mais surpresa ainda diante da passagem surpreendente do clássico de Luiz Gonzaga para outra pérola, imortalizada por ela, "Vapor Barato" (Macalé/Salomão). A emoção percorre o estúdio, atingindo um sereno clímax na vocalize final com o jogo de palavras em "Oh minha honey/ baby/ oh, honey, baby".

Detalhes
A cada nova canção, um detalhe de beleza (como na voz a capela de "Alguém Cantando", de Caetano), ousadia (o solo de baixo acústico para acompanhar "Nada Além", de Custódio Mesquita/ Mario Lago, realçando o lado jazzístico daquele velho fox) ou de serenidade (na belíssima "Folhas Secas", de Nelson Cavaquinho).
Ao violão, depois de dois instrumentos roubados e décadas de afastamento, ela retorna com "Um Favor", de Lupicínio, e com "Nega Manhosa" e "Samba Rubro Negro", na melhor tradição do samba de conteúdo jocoso.
A volta ao instrumento é trabalhosa: "Até que tenho uma boa ginga na mão direita, porém a esquerda é muito ruim. Mas os amigos estão ajudando e vai ser legal criar essa intimidade com a platéia", afirmou a cantora.
Quanto à sonoridade do conjunto do show, ela garante que a intenção era mesmo a busca da delicadeza: "Há uma evidente conexão com João Gilberto, estou retomando uma aproximação que tive com ele desde sempre. Aquela coisa de ficar com o sentimento em suspensão, meio que na ponta do pé, quase sussurrando, trabalhando a técnica de respiração e colocação das notas".
Esse sentimento foi devidamente captado e será explorado em cena pela diretora do espetáculo, Bia Lessa, para quem o tipo de musicalidade que vai rolar exige que se crie "algo fora do tempo". "Sem passado, presente, futuro; sem compromisso com a forma, com a música em suspensão."
Pelo que foi possível perceber no ensaio do Rio, em suspensão deverá ficar a platéia paulistana diante dessa "nova" Gal Costa.


GAL COSTA. Direção: Bia Lessa. Com: Zé Canuto (sopros), Marcos Teixeira (violões), Bororó (contrabaixo) e Jurim Moreira (bateria). Direção musical: Eduardo Souto Neto. Roteiro: Gal Costa e Mario Canivello. Onde: DirecTV Music Hall (av. dos Jamaris, 213, Planalto Paulista, região sul de São Paulo, tel. 0/ xx/11/3177-3663). Quando: hoje, às 21h30; amanhã e sáb., às 22h; e dom., às 20h. Quanto: de R$ 40 a R$ 80.

O jornalista Luiz Caversan viajou ao Rio a convite da produção do show



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