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Olhar feminino dá qualidade à literatura policial
Para P. D. James, gosto pelo detalhe e interesse nas emoções explicam o sucesso das mulheres nas histórias detetivescas
Ela diz que não apreciava muito o detetive Poirot, de Agatha Christie, com seu jeito excêntrico, seu bigode e seus "maneirismos"
DO EDITOR DE INFORMÁTICA
"Na história detetivesca clássica, que depende de pistas cuidadosamente distribuídas e raciocínio preciso para criar uma
trama, as mulheres realmente
têm se saído muito bem. Talvez
porque nós sejamos interessadas nas emoções humanas, em
vez de nas armas ou na violência. Nós tratamos da reação das
pessoas aos crimes. E claro que
a criação de pistas depende de
ter um olho para o detalhe, e as
mulheres são detalhistas." Assim pensa P.D. James, que nesta entrevista fala também sobre
sua carreira e seus métodos de
criação.
(RODOLFO LUCENA)
FOLHA - Seu primeiro livro foi publicado quando a senhora tinha 42
anos. O que a levou a escrever?
P.D. JAMES - Desde a infância,
sempre quis escrever, mas comecei tarde. Eu tinha 19 anos
quando a Segunda Guerra estourou. Eu vivia em Londres,
havia muitos bombardeios, o
futuro era incerto. Meu marido
voltou da guerra com problemas mentais. Nós tínhamos
duas filhas pequenas, eu precisava sustentar a família. Os
anos passaram, e um dia eu percebi que nunca ia aparecer o
momento certo. Eu tinha de começar logo. Então escrevi minha primeira novela.
FOLHA - Quando escrevia?
P.D. JAMES - Eu planejava a trama no caminho para o trabalho
e escrevia durante os finais de
semana e nos feriados. Foi por
isso que demorou tanto. Comecei o livro com 35 anos e tinha
42 quando ele foi publicado.
FOLHA - E por que histórias de detetive?
P.D. JAMES - Eu gostava muito
de lê-las na minha adolescência
-e gosto ainda hoje. Eu pensava que poderia escrever boas
histórias, que teriam boas
chances de serem aceitas para
publicação, já que o gênero é
muito popular. Gosto muito da
estrutura da novelas de detetive. De Agatha Christie a John
Le Carré, com suas novelas de
espionagem, a estrutura geral é
sempre a mesma: você tem um
crime misterioso -assassinato,
em geral-, um pequeno grupo
de suspeitos que tiveram
meios, motivo e oportunidade,
um detetive que investiga as
pistas e, no final do livro, chega-se à solução. E veja como essa
fórmula pode incluir tantos talentos e tanta diversidade...
FOLHA - Mas a literatura policial é
considerada, por alguns críticos, como gênero menor.
P.D. JAMES - Talvez algumas histórias sejam realmente menores. Eu nunca sofri desse preconceito. Faço até parte da Câmara dos Lordes e sou muito
bem-aceita como escritora de
qualidade. Mas é verdade que a
literatura policial às vezes é vista como menos séria.
FOLHA - Sua primeira novela foi estrelada pelo investigador Dalgliesh.
Como construiu o personagem?
P.D. JAMES - Pensei muito sobre
ele. Eu não gostava muito do
modelo Poirot [detetive criado
por Agatha Christie], tão excêntrico e peculiar, com seu bigode e seus maneirismos. Eu tinha que inventar alguém que
pudesse se desenvolver ao longo de uma série, que tivesse
credibilidade tanto como detetive profissional quanto como
ser humano. Eu lhe dei qualidades que admiro muito: eu o fiz
muito inteligente e perspicaz,
sensível e compassivo, mas não
sentimental; corajoso, mas não
temerário. Eu o fiz um poeta,
pois queria que ele tivesse algum talento artístico. Ele tem,
claro, muito mais sorte do que
eu, pois não envelhece... Ele fica
lá, no início da meia idade, enquanto eu já tenho 85 anos.
FOLHA - Ao longo dos anos, o que
mudou em suas histórias?
P.D. JAMES - Minhas histórias
estão mais longas, mais complexas, mais tramadas. Têm
mais profundidade psicológica
e provavelmente estão mais envolvidas com a vida da sociedade inglesa contemporânea. É é
importante que cada história
esteja claramente adaptada à
sua época. Assim, Dalgliesh se
envolve cada vez mais com as
compulsões, interesses e problemas do nosso tempo.
FOLHA - Nas suas histórias, há muitos detalhes técnicos e científicos.
Como a senhora faz para se manter
atualizada? Tem um grupo de pesquisadores?
P.D. JAMES - Eu mesmo faço toda a pesquisa que considero necessária, além de ter minha
própria experiência [no Home
Office, que tem funções semelhantes ao Ministério da Justiça, e no departamento de polícia, entre outros]. Tenho amigos na área forense, que sempre
me deram muita ajuda, e também tenho alguns amigos policiais que me ajudam. Eu faço
muita pesquisa, tento pegar todos os detalhes corretamente,
com precisão. Em "O Farol",
por exemplo, uma das personagens, miss Burbridge, faz bordados. E eu cheguei a visitar
uma bordadeira para ver exatamente como ela trabalha -a
pequena cena em que ela aparece fazendo seu bordado foi
pesquisada muito detalhadamente. Outra coisa com que eu
tive de ser muito cuidadosa foi
sobre a doença que atinge Dalgliesh, e sobre ela eu obtive
muita informação por e-mail,
trocando mensagens com um
médico de Toronto. Assim, eu
pude colocar tudo certo sobre o
período de incubação, sobre os
sintomas e o progresso da
doença. Acho que devo isso a
meus leitores, ser precisa, e eu
trabalho bastante para isso.
FOLHA - Além dos detalhes técnicos, a senhora procura dar um certo
tempero sexual às suas histórias...
P.D. JAMES - É, acho que sim. Eu
tenho muito interesse no comportamento da sociedade moderna, apesar de já ser velha. E
claro que, sendo membro da
Câmara dos Lordes, eu recebo
muita informação. Então eu
consigo ficar atualizada sobre
todos os tipos de assunto e os
coloco nos livros se considero
apropriado.
FOLHA - Como a senhora trabalha
hoje? Como é sua rotina diária?
P.D. JAMES - Quando eu estou
escrevendo uma história -o
que não acontece hoje, pois eu
estou pensando na trama ainda-, gosto de escrever bem cedo pela manhã. Eu escrevo à
mão, usando papel pautado.
Gosto de estar sozinha em casa,
não consigo escrever com gente
em volta de mim. Daí, às 10h,
minha secretária chega, e eu dito para ela o que escrevi. Ela digita num computador, imprime o texto e eu depois faço as
correções necessárias. Eu gosto
de ditar, porque gosto de ouvir
os diálogos e o ritmo da prosa.
FOLHA - E quando a senhora não
está escrevendo? Tem uma vida de
lazer e diversão?
P.D. JAMES - Eu nunca levo uma
vida de lazer, eu sou terrivelmente ocupada. Como meus livros foram publicados em tantos países, a quantidade de correspondência diária, por e-mail
ou por carta é muito grande. Eu
também tento ir à Câmara dos
Lordes, apesar de não ir tão freqüentemente quanto eu deveria. Eu acabo perdendo alguns
debates, mas eu realmente tento participar. Bem, além disso,
eu faço algumas coisas para entidades de caridade e, claro, eu
gosto de ver minha família o
máximo possível. Eu tenho
duas filhas, cinco netos e quatro bisnetos, então é muita gente para ver.
FOLHA - "O Farol" acaba de ser publicado no Brasil. O que a senhora
pode dizer sobre essa história?
P.D. JAMES - Meus livros, com
freqüência, são ambientados
em Londres ou na Costa Leste.
Então, o cenário dessa história
foi bem diferente, uma ilha totalmente imaginária -as ilhas
têm algo de empolgante, de
emocionante. Acho que a trama
foi muito forte e funcionou
bem. Espero que tenha sucesso
no Brasil.
FOLHA - A senhora já tem planos
para um novo livro?
P.D. JAMES - Bem, eu tenho o começo de uma idéia, mas está
ainda num estágio muito primário. Em geral, minhas histórias começam pela criação do
ambiente. Agora, eu tenho uma
idéia, mas ainda não consegui
definir o cenário, o que é muito
desconcertante. Acho que ainda vai levar um tempo, eu espero ainda produzir pelo menos
mais um livro. Eu sempre fico
mais feliz quando estou planejando a trama de uma história
ou quando estou escrevendo,
eu não gosto muito desse período de entresafra, apesar de eu
estar tão ocupada hoje. Eu vou
ficar mais feliz quando começar um novo livro....
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