São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Caio Guatelli/Folha Imagem
Habituado a "pau puro" por causa da política monetária, Meirelles alonga o pescoço e tem dia tranqüilo em meio à crise de Brasília


Meirelles relaxa e...

Depois de cinco anos no papel de "saco de pancadas", o presidente do BC goza do bom momento da economia

A professora de pilates de Henrique Meirelles, 61, anota no diário dedicado ao aluno na academia de ginástica: "Muito melhor do que antes. Tô boba! Ombro mais alinhado". Depois de "cinco anos de pau puro aí", nas palavras do próprio presidente do Banco Central, ele gozava na semana passada de uma situação em que, em plena crise política, o dólar permaneceu estável, a inflação e os juros, em trajetória de queda, e o PIB, em rota de crescimento.

 

São 8h30 de quarta-feira. Enquanto o governo Lula acompanha a crise no Senado e o caos aéreo, Meirelles faz pilates e gyrotonic numa academia perto de casa, no Lago Sul de Brasília. "Contrai o abdômen. Isso. Mais uma vez", diz a professora. Deitado, ele apóia o peso no calcanhar. Depois, na ponta dos pés. Em seguida, faz 12 seqüências para exercitar a panturrilha.
 

Além da inflação, ele persegue uma meta: manter o peso em 73 kg. A situação saiu do controle recentemente, quando um de seus "compradores", como chama o empregado doméstico que abastece a despensa, confundiu farelo de milho com farinha de milho. E misturou o ingrediente ultracalórico entre os cereais do café da manhã. "Engordei 3 kg sem saber por quê", diz Meirelles.
 

Como viaja muito -na segunda-feira, amanheceu em SP, entardeceu no Rio e terminou o dia em Brasília -, ele mantém residência nas três cidades. Tem ainda casa em Goiânia e Belo Horizonte, onde vive sua mulher, Eva, que é psiquiatra e fica entre Minas e Brasília, onde está abrindo consultório. Durante a semana, em Brasília, ele "divide" a casa, num terreno de 6.000 m2, com Tereza Cristina, a Trica, uma cadela cavalier king charles, e com a cocker spaniel Peteca. Um staff de empregados cuida para que sua rotina caseira seja praticamente idêntica em todos os lugares. Em SP, onde tem apartamento em Higienópolis e uma casa, quem faz seu almoço é Rosa, que está com a família há 25 anos; no Rio, é a cozinheira Ana; em Brasília, a governanta Lúcia. O cardápio é sempre o mesmo: couve, repolho, abobrinha, vagem, carninha grelhada. Elas colocam tudo num tupperware, que é entregue ao chefe por um motorista particular.
 

Meirelles ganha R$ 1.600 de auxílio-moradia. "Mas agora vamos ter aumento de salário", diz, sorrindo. Seus vencimentos vão saltar para R$ 10. 748. Todos os meses, ele faz retiradas de recursos amealhados em 28 anos de carreira no setor financeiro e aplicados no exterior. Recebe também aposentadoria do banco americano Fleet Boston, onde chegou a presidente mundial com ganhos de até US$ 1,5 milhão por ano.
 

Depois da ginástica, Meirelles embarca numa Hilux blindada rumo ao BC. Carros idênticos, comprados por licitação a R$ 70 mil cada, transportam Meirelles no Rio e em SP. Para compromissos particulares -como ir à ginástica -, ele usa um Omega particular. "Eu ia com ele [Omega] aos eventos públicos também. Mas daí começaram a falar, outros ministros reclamaram. Então passei a usar carro oficial." Todos os veículos são abastecidos com barras de cereal e garrafinhas de água Aquarel, da Nestlé. E CDs de música clássica.
 

"Vamos ver como estão as coisas", diz ele. BlackBerry na mão -Meirelles só se comunica com os diretores do BC por meio do aparelho -, começa a ler despachos e relatórios de consultorias, nacionais e internacionais. "Inflação brasileira pode recuar para 4% ao ano", diz um despacho internacional. "Isso é palpite deles. Não tem nada a ver conosco", diz Meirelles. (A meta de inflação, hoje, é de 4,5%. E até Lula já sinalizou que ela assim permanecerá.) Meirelles pinga o lubrificante Refresh Tears nos os olhos e Rinosoro no nariz. "Tirando a China e a Índia, o Brasil vai crescer mais que a média dos países industrializados. E menos que pequenos países exportadores de commodities."
 

A Hilux estaciona no BC. No gabinete, Meirelles lê reportagens sobre a audiência que teve um dia antes com senadores para falar sobre "os dividendos da estabilidade". "Só elogios", é o título de uma delas. No fim da audiência, ele fez questão absoluta de "agradecer de público os elogios do senador Aloizio Mercadante (PT-SP)", um dos maiores críticos dos primeiros anos de Meirelles à frente do BC. Outra reportagem mostra Luciano Coutinho, presidente do BNDES, criticando o real forte, como fazia seu antecessor Carlos Lessa. "É até injustiça compará-lo ao Lessa, que era contra mesmo a política econômica. O Luciano é ponderado. Conversamos muito."
 

Em palestras que fez na segunda para empresários em SP e para investidores, no Rio, o presidente do BC mostrou ranking do Banco Mundial sobre as dificuldades de se fazer negócios no país. Além de críticas em relação ao câmbio, ele é sempre interpelado sobre os gastos públicos. "Esse é o assunto mais complicado do Brasil. Prefeitos, governadores, todos querem gastar." O presidente Lula também, né?, observa a coluna. Meirelles, que foi definido em artigo recente do "International Herald Tribune" como "um homem de muitas palavras, mas poucas respostas", continua: "Tem ainda as vinculações de receita para educação, saúde...".
 

"Manda o artigo do "Herald" para ela [colunista da Folha] depois por e-mail", pede ao assessor. "Ela [repórter do "Herald'] escreveu: "He's a natural [ele nasceu para isso]'", diz. "Eu a encontrei para uma conversa de "background". Ela ficou absolutamente impressionada com a minha história, com a conversa, e resolveu fazer um artigo. Escreveu que eu poderia ser um private banking sentado em Zurique. Ou o manager de um grande artista. Então você vê que emprego não me falta. Só não falou que eu poderia ser deputado federal por Goiás!"
 

Meirelles, que foi eleito deputado em 2002 pelo PSDB e renunciou para assumir o BC, diz que só na campanha, em Goiás, "conheci o país. Porque em São Paulo você não conhece o Brasil. Eu aprendi a entender um deputado, eleito para levar dinheiro para o seu município. Vi crianças com barriga estufada de verme no meio-fio, enquanto eu passava sacudindo os braços numa caminhonete". Será candidato a algum cargo em 2010? Muitas palavras, poucas respostas: pode ser que sim. É mais provável que não.
 

Meirelles lembra que um amigo americano especialista em comunicação fez com que ele mudasse sua forma de falar em comícios. "Eu era racional. Ele me mostrou que aquilo é quase como uma oração, vai num crescendo." Enfim, é pura emoção. O presidente do BC conta que, certa vez, falou, citou, explicou. No fim, uma senhora o abraçou demoradamente. E disse: "É que eu escolho meu candidato pelo cheiro". Meirelles não tem um perfume preferido. Às vezes usa Armani. Ou Dolce & Gabbana.


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