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São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2003

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CINEMA

Presidente e convidados assistem "O Caminho das Nuvens", de Vicente Amorim, em sessão no Palácio do Alvorada

Lula acolhe safra nacional com aperitivos e humor

IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

"Alguém tem que trabalhar neste governo", anunciou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anteontem, no alto da escada de sua residência, para justificar o atraso de 34 minutos. Enquanto descia a escada com tapete vermelho no Palácio do Alvorada, em Brasília, as 25 pessoas que o aguardavam sorriam de volta.
Começava mais uma sessão de cinema na casa do presidente do Brasil, com ministros, produtores de cinema, atores e atrizes, na qual Lula iria criticar a televisão ("passou a ser um instrumento anti-social"), o fanatismo religioso ("a fé, quando é demais, é exagerada") e aqueles de língua solta ("criamos o hábito de reclamar").
O filme, desta vez (leia a lista no quadro ao lado), foi "O Caminho das Nuvens", de Vicente Amorim, 36, sobre uma família de retirantes nordestinos que viaja de bicicleta até o Rio de Janeiro atrás de um emprego de "mil reais". Pelo tema, esperava-se que o presidente, também um nordestino retirante, se emocionasse.
E Lula teve seus momentos sensíveis: "Na cena em que o personagem vai a Juazeiro, me lembrei da minha campanha em 1989, contra o Collor. Foi uma coisa que me chocou. Fomos a Juazeiro e estávamos passando por umas casinhas com umas senhoras muito pobres, que pareciam nem ter comida para o dia. Foi o único momento da campanha em que fomos agredidos. Chamavam a gente de "comunistas". Bem o povo que a gente mais queria ajudar. A fé, quando é demais, é exagerada".
Foi a oitava sessão de cinema na casa do presidente do República. Segundo o ator Antonio Grassi, presidente da Funarte e programador desse "cine Alvorada", a idéia básica é prestigiar o cinema brasileiro. "É uma ótima alavanca de divulgação. Queremos fazer uma sessão quinzenal para ajudar a promover os filmes", diz Grassi.
"Em meses com muitos lançamentos, recebo até quatro pedidos de exibição de filmes por semana. Nosso único problema é a agenda do presidente. Um dia desses queria que Lula assistisse a um filme, mas ele tinha que encontrar o George Bush", diz o ator.
Grassi diz que busca programar fitas passadas em todo o Brasil, sejam elas paulistas ("Carandiru"), cariocas ("Apolônio"), gaúchas ("O Homem que Copiava") ou nordestinas ("Amarelo Manga", a provável próxima sessão). "O fato de a Globofilmes e a Columbia terem comparecido com cinco fitas é reflexo da atual produção do país", afirma. "Agora, estamos tentando fechar uma sessão com cinco curtas, um de cada região brasileira."

A sessão
O "cine Alvorada" começa com a chegada do presidente (às 20h34), que degusta uma pequena dose de Ballantines Gold 12 Anos e cumprimenta todos os presentes. O embaixador Paulo Campos, assessor 24 horas de Lula, sofre para levar todo mundo ao cinema, que fica no andar inferior do palácio. Ninguém quer largar as taças do prosecco Conti Bernardi e perder uma nova tirada do presidente. Como por exemplo: "Celso, você joga futebol? Estou precisando de um parceiro. O Palocci não está dando pro gasto...".
Celso é Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores e também pai de Vicente Amorim, diretor do filme em exibição. "Hoje não sou ministro; sou pai coruja", garante o ex-presidente da Embrafilme (1979-82). Além de Amorim e Palocci (ministro da Fazenda) estão lá políticos como Jair Meneguelli, ex-presidente da CUT e hoje presidente do Sesi, atores (Wagner Moura e Cláudia Abreu) e produtores do filme (Lucy e Luiz Carlos Barreto).
Descendo a escada, um bar serve o mesmo uísque e espumante do andar de cima. Mas não adianta sair correndo: as 30 cadeiras do cinema já trazem os nomes dos convidados. O presidente senta ao lado de Marisa e de Cláudia Abreu, a atriz principal. Só eles, além da produtora Lucy Barreto, ganham pufes para esticar as pernas.
As cadeiras, de qualquer forma, são melhores que a de qualquer cinema do país: poltronas enormes, que viram ao gosto do freguês, e com mesinhas para apoiar o copo. Para quem se preocupa com a estampa: são macias e com minúsculas bolinhas verdes.
Pode-se fumar e beber no cinema do Alvorada, mas ninguém acende um cigarro. E, ao final da aplaudida sessão, está servido o jantar de Dona Marisa. "Eu gosto de cozinhar, mas quando vem tanta gente, eu só organizo", diz a primeira-dama, entre bobós de camarão, escalopes de filé recheado com presunto cru, arroz, farofa e batata com alho-poró.
Livres de formalidades, os convidados falam sem parar no meio do jantar. O diretor Vicente Amorim fala do filme e elogia Lula. Lula elogia o filme. O produtor Luiz Carlos Barreto fala do filme e reclama que os cinemas de periferia estão acabando.
É o mote para Lula: "Nesta mesa já teve muita reclamação com esse tipo de coisa, que igrejas evangélicas estão tomando o lugar dos cinemas. É verdade, mas vamos encarar a realidade. Também é verdade que a televisão é mais cômoda para as pessoas. A televisão passou a ser um intrumento anti-social. Com um filho no colo, é mais fácil ver um filme em casa do que no cinema".
Ao final, já na varanda, fuma-se charutos cubanos, acompanhados por conhaque ou licor. Lula fica de olho nos amigos. "Celso, já está indo embora? Toma esse conhaque", diz ao ministro e pai coruja, quando já se aproxima a meia-noite. E se diverte quando Jair Meneguelli tenta acender um dos charutos com um fósforo gigante: "Segura o Meneguelli. Ele não sabe usar esse fósforo!".
Feita a rodinha, Meneguelli conta vantagem: "Quem foi a primeira pessoa da CUT a almoçar no Itamaraty? Fui eu!". Ao que o ministro Celso Amorim engata: "E quem foi que te convidou? Fui eu!". Ao que alguém, para as gargalhadas de Lula, explica tudo: "Esse Celso sempre foi mesmo subversivo...".


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