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CINEMA
Presidente e convidados assistem "O Caminho das Nuvens", de Vicente Amorim, em sessão no Palácio do Alvorada
Lula acolhe safra nacional com aperitivos e humor
IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
"Alguém tem que trabalhar
neste governo", anunciou
o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) anteontem, no alto da
escada de sua residência, para justificar o atraso de 34 minutos. Enquanto descia a escada com tapete
vermelho no Palácio do Alvorada,
em Brasília, as 25 pessoas que o
aguardavam sorriam de volta.
Começava mais uma sessão de
cinema na casa do presidente do
Brasil, com ministros, produtores
de cinema, atores e atrizes, na
qual Lula iria criticar a televisão
("passou a ser um instrumento
anti-social"), o fanatismo religioso ("a fé, quando é demais, é exagerada") e aqueles de língua solta
("criamos o hábito de reclamar").
O filme, desta vez (leia a lista no
quadro ao lado), foi "O Caminho
das Nuvens", de Vicente Amorim, 36, sobre uma família de retirantes nordestinos que viaja de bicicleta até o Rio de Janeiro atrás
de um emprego de "mil reais".
Pelo tema, esperava-se que o presidente, também um nordestino
retirante, se emocionasse.
E Lula teve seus momentos sensíveis: "Na cena em que o personagem vai a Juazeiro, me lembrei da minha campanha em 1989,
contra o Collor. Foi uma coisa que
me chocou. Fomos a Juazeiro e
estávamos passando por umas
casinhas com umas senhoras
muito pobres, que pareciam nem
ter comida para o dia. Foi o único
momento da campanha em que
fomos agredidos. Chamavam a
gente de "comunistas". Bem o povo que a gente mais queria ajudar.
A fé, quando é demais, é exagerada".
Foi a oitava sessão de cinema na
casa do presidente do República.
Segundo o ator Antonio Grassi,
presidente da Funarte e programador desse "cine Alvorada", a
idéia básica é prestigiar o cinema
brasileiro. "É uma ótima alavanca
de divulgação. Queremos fazer
uma sessão quinzenal para ajudar
a promover os filmes", diz Grassi.
"Em meses com muitos lançamentos, recebo até quatro pedidos de exibição de filmes por semana. Nosso único problema é a
agenda do presidente. Um dia
desses queria que Lula assistisse a
um filme, mas ele tinha que encontrar o George Bush", diz o
ator.
Grassi diz que busca programar
fitas passadas em todo o Brasil, sejam elas paulistas ("Carandiru"),
cariocas ("Apolônio"), gaúchas
("O Homem que Copiava") ou
nordestinas ("Amarelo Manga", a
provável próxima sessão). "O fato
de a Globofilmes e a Columbia terem comparecido com cinco fitas
é reflexo da atual produção do
país", afirma. "Agora, estamos
tentando fechar uma sessão com
cinco curtas, um de cada região
brasileira."
A sessão
O "cine Alvorada" começa com
a chegada do presidente (às
20h34), que degusta uma pequena dose de Ballantines Gold 12
Anos e cumprimenta todos os
presentes. O embaixador Paulo
Campos, assessor 24 horas de Lula, sofre para levar todo mundo ao
cinema, que fica no andar inferior
do palácio. Ninguém quer largar
as taças do prosecco Conti Bernardi e perder uma nova tirada do
presidente. Como por exemplo:
"Celso, você joga futebol? Estou
precisando de um parceiro. O Palocci não está dando pro gasto...".
Celso é Celso Amorim, ministro
das Relações Exteriores e também
pai de Vicente Amorim, diretor
do filme em exibição. "Hoje não
sou ministro; sou pai coruja", garante o ex-presidente da Embrafilme (1979-82). Além de Amorim e Palocci (ministro da Fazenda)
estão lá políticos como Jair Meneguelli, ex-presidente da CUT e hoje presidente do Sesi, atores (Wagner Moura e Cláudia Abreu)
e produtores do filme (Lucy e Luiz
Carlos Barreto).
Descendo a escada, um bar serve o mesmo uísque e espumante
do andar de cima. Mas não adianta sair correndo: as 30 cadeiras do
cinema já trazem os nomes dos
convidados. O presidente senta
ao lado de Marisa e de Cláudia
Abreu, a atriz principal. Só eles,
além da produtora Lucy Barreto,
ganham pufes para esticar as pernas.
As cadeiras, de qualquer forma,
são melhores que a de qualquer
cinema do país: poltronas enormes, que viram ao gosto do freguês, e com mesinhas para apoiar
o copo. Para quem se preocupa
com a estampa: são macias e com
minúsculas bolinhas verdes.
Pode-se fumar e beber no cinema do Alvorada, mas ninguém
acende um cigarro. E, ao final da
aplaudida sessão, está servido o
jantar de Dona Marisa. "Eu gosto
de cozinhar, mas quando vem
tanta gente, eu só organizo", diz a
primeira-dama, entre bobós de
camarão, escalopes de filé recheado com presunto cru, arroz, farofa e batata com alho-poró.
Livres de formalidades, os convidados falam sem parar no meio
do jantar. O diretor Vicente Amorim fala do filme e elogia Lula. Lula elogia o filme. O produtor Luiz
Carlos Barreto fala do filme e reclama que os cinemas de periferia
estão acabando.
É o mote para Lula: "Nesta mesa
já teve muita reclamação com esse
tipo de coisa, que igrejas evangélicas estão tomando o lugar dos cinemas. É verdade, mas vamos encarar a realidade. Também é verdade que a televisão é mais cômoda para as pessoas. A televisão
passou a ser um intrumento anti-social. Com um filho no colo, é
mais fácil ver um filme em casa do
que no cinema".
Ao final, já na varanda, fuma-se
charutos cubanos, acompanhados por conhaque ou licor. Lula
fica de olho nos amigos. "Celso, já
está indo embora? Toma esse conhaque", diz ao ministro e pai coruja, quando já se aproxima a
meia-noite. E se diverte quando
Jair Meneguelli tenta acender um
dos charutos com um fósforo gigante: "Segura o Meneguelli. Ele
não sabe usar esse fósforo!".
Feita a rodinha, Meneguelli
conta vantagem: "Quem foi a primeira pessoa da CUT a almoçar
no Itamaraty? Fui eu!". Ao que o
ministro Celso Amorim engata:
"E quem foi que te convidou? Fui
eu!". Ao que alguém, para as gargalhadas de Lula, explica tudo:
"Esse Celso sempre foi mesmo
subversivo...".
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