São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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MÚSICA

Apesar de prolífico, pop do Estado está restrito à região e não atinge a mesma popularidade no resto do país

Rock gaúcho se mantém apenas no RS

ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um rápido resumo do rock brasileiro vê, desde os anos 80, o surgimento de pólos criativos alternativos ao eixo Rio/São Paulo. Brasília, Recife e Belo Horizonte se firmaram no cenário nacional por diferentes motivos, mas uma capital vem tentando, neste mesmo período de tempo, sua entrada na elite do rock brasileiro. Público e crítica avalizam Porto Alegre, mas o mercado ainda é resistente ao rock gaúcho.
Rock gaúcho que, de tempos em tempos, surge no horizonte como aposta certa para uma renovação no pop brasileiro. Tais previsões remontam à hoje histórica coletânea "Rock Grande do Sul" (que reunia DeFalla, Replicantes, Garotos da Rua, TNT e Replicantes), passam por "Camila, Camila", do Nenhum de Nós, continuam nos Cascavellettes, vão à Graforréia Xilarmônica e desembocam na atual safra, capitaneada pela dupla Bidê ou Balde e Vídeo Hits.
Isso sem contar os anos de fermentação, uma pré-história de primeira, incluindo nomes como o Liverpool, a dupla Kleiton e Kleidir e o heróico Nei Lisboa. Mas desde os anos 80, a cada três anos, ele volta à pauta.
Mas bate e volta. "Na verdade há uma falha na comunicação, porque é uma cultura muito diferente", tenta explicar o produtor Carlos Eduardo Miranda, responsável por lançar nacionalmente várias bandas gaúchas nos selos Banguela, Excelente e Matraca. "O humor gaúcho é muito peculiar, há uma ironia que as pessoas não entendem, levam a sério", concorda o cantor Wander Wildner. "Mas um monte de jornalista veio dizendo que era "engraçadinho", quando não tem nada disso", continua Miranda.
"Por mais que o Rio Grande do Sul queira ser Brasil, é diferente", explica Frank Jorge, autor de um dos discos mais elogiados do ano passado, "Carteira Nacional de Apaixonado". "A gente está mais perto da Argentina e de Montevidéu do que do Nordeste e da Amazônia. Isso interfere em tudo, principalmente na linguagem."
E não são apenas as letras ou a atitude. "Até na musicalidade tem uma coisa mais gaúcha. Existe algo nos timbres, algo que difere as bandas gaúchas do Tihuana, do Surto, do Charlie Brown Jr.", ressalta Rossato, guitarrista e principal compositor da banda Bidê ou Balde, vencedora do prêmio de revelação no último VMB da MTV. "Não é exagero dizer que também há um certo preconceito", alfineta Frank Jorge.
O fator cultural não é o único -o geográfico também é determinante. Continua Rossato, hoje morando em São Paulo: "A distância dificulta muito". "Para conseguir destaque nacional, é preciso fazer shows no Rio e em São Paulo", conta Pedro Veríssimo (sim, neto do escritor Érico), vocalista da banda Tom Bloch. "A maioria das bandas fica por aqui."
"A distância também contribuiu para formar uma cena local com um certo grau de auto-suficiência", teoriza o líder dos Walverdes, Gustavo Bittencourt. "O ouvinte médio gaúcho consome muito pop rock gaúcho, como Papas da Língua, Comunidade Ninjitsu e Tequila Baby", diz.
Acrescente nomes como Ultramen, Cidadão Quem e Acústicos & Valvulados a essa elite do pop gaúcho, bandas levemente conhecidas no cenário nacional, mas que são verdadeiros ídolos populares no Estado. Com um circuito de shows ativo, músicas tocando em várias rádios, gravadoras locais e reportagens na TV local, a cena gaúcha vai bem -mas isolada do resto do Brasil.
"A gente tem no mínimo 15 bandas na estrada, tocando no rádio e vendendo disco", orgulha-se Raul Albornoz, da gravadora Antídoto. E faz as contas: "O Papas da Língua, proporcionalmente, deveria estar vendendo 1,5 milhão de discos no Brasil, comparando o que eles vendem aqui com o percentual de discos consumidos no Rio Grande do Sul". Miranda endossa: "Cada Estado deve ter os seus fenômenos locais. O problema é que aqui todo ídolo local é empacotado e diluído para o resto do país". Wander lamenta: "Isso acaba acomodando as bandas".
"O Rio Grande do Sul nunca teve um fenômeno que levantasse a bandeira gaúcha, como fez o mangue beat. Tentaram fazer isso com aquela coisa, tchê music", conta Carlos Branco, da gravadora Barulhinho. "A galera reclama de ser rotulada como gaúcho, quando não vê que isso é um marketing favorável", filosofa Miranda. "Modéstia à parte, a gente é mais doido mesmo."



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