São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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MÚSICA

Atrações famosas e novas apostas do cenário pop se revezam em evento marcado por organização e publicidade

Marketing domina festival inglês V2001

ROGÉRIO SIMÕES
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE CHELMSFORD

"Compre seu ingresso para o V2001 e vá pela Virgin Trains. E ouça ainda, na rádio Virgin, os sucessos das bandas do festival, que tem patrocínio exclusivo dos telefones celulares Virgin Mobile."
As palavras não eram as mesmas, mas o recado era exatamente esse. Em um ano em que não houve Glastonbury, o mais "legítimo" dos festivais britânicos, o V2001, da Virgin, marcou no último fim de semana o domínio do marketing nos festivais de música do Reino Unido.
A festa comandada pelo império do empresário Richard Branson é realizada desde 1995, sempre em duas cidades, moda que, aliás, foi a Virgin quem lançou. Em Straffordshire e Chelmsford, artistas como Foo Fighters, Coldplay, The Charlatans, Placebo, Texas e Kylie Minogue cantaram para multidões espalhadas por quatro palcos diferentes, num evento cuja organização, se não foi impecável, merece pelo menos nota 8.
Em Chelmsford, quem chegasse de trem à cidade não precisava andar a pé até o Hylands Park nem pegar carona. Um serviço de ônibus, bom e gratuito, foi colocado para os fãs, que calmamente formavam filas e eram levados tanto na ida como na volta. Nada daquelas cenas de jovens pedindo carona na beira da estrada.
Em qualquer festival, o tempo é sempre a grande incógnita. E, quando ele não é dos melhores, o dinheiro pago pelo ingresso começa a valer. Em Chelmsford, no sábado, choveu. Foi apenas no final da tarde, mas choveu muito. Apesar disso, nada da lama do Glastonbury ou do Rock in Rio. A Virgin sempre cobre o espaço central ocupado pelo público com uma capa de plástico, o que deixa o local bem mais agradável.
A lista de artistas do V2001 costuma ficar no meio-termo: não traz aquela constelação de estrelas do Reading, mas consegue oferecer alguns nomes bem conhecidos. Neste ano, Coldplay, Foo Fighters, Texas e The Charlatans estavam nessa categoria. Mas também havia artistas "menores", que estão começando brilhantes carreiras, como o maravilhoso Starsailor, o já reconhecido Doves, o promissor JJ72, The Avalanches, Sparklehorse, Ian Brown, as abomináveis meninas do Atomic Kitten etc.
Entre os grandes, Coldplay fez bonito e emocionou com "Don't Panic", "Trouble", a nova "In My Place" e, logicamente, "Yellow". Ao que parece, os britânicos finalmente encontraram um substituto para o Queen: apesar de suas canções intimistas, o Coldplay é uma banda perfeita para grandes shows ao ar livre.

Estrelas e promessas
O fantástico Charlatans fez um show impecável, como sempre, em que não faltaram as gloriosas "The Only One I Know", "North Country Boy" e "Just Looking". Já o Texas, outra banda que fora da Europa todo mundo ignora, mas que no Reino Unido vive no topo, mostrou que não passa de um pop sem sal. E o tão falado Muse disparou sua barulheira sem-pé-nem-cabeça que não leva a lugar nenhum. Simplesmente terrível.
Outra vergonha foi a graciosa Nelly Furtado, dona de um rostinho lindo e uma voz insuportável. Nem em "I'm Like a Bird" a esforçada canadense funcionou. Seu show foi um indicativo de que era melhor procurar algo de bom entre os artistas menos conhecidos. E foi no menor palco que se apresentaram duas grandes promessas da música britânica em 2001.
Peppercorn, que não é uma banda, mas uma cantora bonita, simpática e de tranças quilométricas, exibiu uma ótima voz em meio a uma combinação inspirada de soul e rock. Nascida no Saara Ocidental, de família negra e pobre, ela vive em Londres desde criança e lançou neste ano seu primeiro álbum, "Free Love".
O Zero Seven foi uma das melhores coisas do V2001. Combinando música eletrônica com soul e blues, essa dupla de músicos ingleses, chamada por muitos de Air britânico, levou ao palco um cantor e várias cantoras, numa apresentação maravilhosa.
A exposição de produtos e suas marcas chegou para ficar no mundo do pop britânico. O maior festival do ano até então, o T in the Park, realizado na Escócia, não se chama T por acaso. A letra refere-se à cerveja escocesa Tennent's, patrocinadora do evento.
"Ah, mas ainda existe Reading!", alguém pode argumentar. Sim, o festival de Reading, que acontece no próximo fim de semana, é o mais antigo do país, nascido nos anos 60. Mas desde 1999 não é mais apenas o "Festival de Reading".
O tradicional evento agora não é nada mais do que 50% do Carling Weekend, evento dividido entre duas cidades, Leeds (norte da Inglaterra) e Reading (sul). Carling, para quem não sabe, é a cerveja inglesa que abastece nove entre dez festivais britânicos.
Desses eventos, o V2001 é, sem dúvida, o mais contaminado pelo marketing. No Brasil, os festivais (com exceção do Rock in Rio) têm no seu nome marcas de cigarro ou cerveja. Mas, entre os britânicos, quanto mais tradição, melhor. É por isso que, a dez meses do próximo Glastonbury, muita gente já sonha com o festival (Rod Stewart foi o primeiro "confirmado"). Afinal, Glastonbury, desde 1970, não é Coca-Cola Glastonbury. É apenas Glastonbury.



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