São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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Jim Crace ironiza resenhistas e se diz um "criador de mitos"

DO ENVIADO A EDIMBURGO

Jornalista "de nascença", o inglês Jim Crace, 56, só entrou no universo da ficção aos 40 anos. Desde então, já colocou mortos para andarem atrás de seus assassinos, no romance "Being Dead", construiu um Jesus ainda menos divino do que o de José Saramago, em "Quarentena", e, mais difícil de tudo, conquistou um lugar privilegiado na florescente prosa contemporânea inglesa.
Dono de prêmios como o Whitbread e de elogios do ascendente Nick Hornby ou do consagrado John Updike, o escritor foi uma das primeiras atrações da série Provocations. Em pé atrás de um pódio, arrancou risadas da platéia ironizando os resenhistas de jornal, falou de seu mais recente livro (sobre comida) e adiantou um trecho do próximo (sobre sexo). Depois, conversou com a Folha. Leia trechos a seguir. (CEM)

Folha - O sr. disse que seu sonho era escrever um livro político e que nunca conseguiu fazê-lo. Por quê?
Jim Crace -
É difícil ler algum dos meus livros e não perceber que sou um progressista. Mas eles não são polêmicos, ou didaticamente políticos, como foram os de George Orwell. Eu tentei algo assim, mas meu tom de voz não é político quando escrevo. Um escritor tem de jogar com as cartas que lhe foram dadas. Não escolhi ser um "moralista realista fantástico". Mas sou bom nisso. É como quem quer tocar bateria e não consegue, mas vai bem no piano.

Folha - O sr. ainda pretende "tocar bateria" no futuro?
Crace -
Já aprendi que não serei bom na "bateria". Mas não me incomodo. Tenho vida política e isso é o que importa.

Folha - Seu romance "Quarentena" (único lançado no Brasil, pela Geração Editorial) tem Jesus como um dos personagens; o mais recente se chama "A Despensa do Diabo". Por que o sr. recorre tanto à religião, já que se declara um ateu?
Crace -
E olha que meu próximo livro será "Genesis" (risos). Sou um ateu completo. Deus não existe, é certo. Mas não é por não existir que as coisas que fazem com que as pessoas acreditem nele não existam. Religiosos encontram seu universo na Bíblia. Eu o procuro em outro lugar qualquer.

Folha - Onde?
Crace -
No universo natural.

Folha - Como autor, também tem seu universo artificial, não?
Crace -
A invenção é central para mim. Sou cobrado nas resenhas por ter escrito sobre um inseto que não existia, por fazer mortos andarem. Ora, é óbvio que é tudo invenção. Não sou realista, sou um criador de mitos, um fabulista, não tenho regras.



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