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Jim Crace ironiza resenhistas e se diz um "criador de mitos"
DO ENVIADO A EDIMBURGO
Jornalista "de nascença", o inglês Jim Crace, 56, só entrou no
universo da ficção aos 40 anos.
Desde então, já colocou mortos
para andarem atrás de seus assassinos, no romance "Being Dead",
construiu um Jesus ainda menos
divino do que o de José Saramago,
em "Quarentena", e, mais difícil
de tudo, conquistou um lugar privilegiado na florescente prosa
contemporânea inglesa.
Dono de prêmios como o Whitbread e de elogios do ascendente
Nick Hornby ou do consagrado
John Updike, o escritor foi uma
das primeiras atrações da série
Provocations. Em pé atrás de um
pódio, arrancou risadas da platéia
ironizando os resenhistas de jornal, falou de seu mais recente livro
(sobre comida) e adiantou um
trecho do próximo (sobre sexo).
Depois, conversou com a Folha.
Leia trechos a seguir.
(CEM)
Folha - O sr. disse que seu sonho
era escrever um livro político e que
nunca conseguiu fazê-lo. Por quê?
Jim Crace - É difícil ler algum dos
meus livros e não perceber que
sou um progressista. Mas eles não
são polêmicos, ou didaticamente
políticos, como foram os de George Orwell. Eu tentei algo assim,
mas meu tom de voz não é político quando escrevo. Um escritor
tem de jogar com as cartas que lhe
foram dadas. Não escolhi ser um
"moralista realista fantástico".
Mas sou bom nisso. É como quem
quer tocar bateria e não consegue,
mas vai bem no piano.
Folha - O sr. ainda pretende "tocar bateria" no futuro?
Crace - Já aprendi que não serei
bom na "bateria". Mas não me incomodo. Tenho vida política e isso é o que importa.
Folha - Seu romance "Quarentena" (único lançado no Brasil, pela
Geração Editorial) tem Jesus como
um dos personagens; o mais recente se chama "A Despensa do Diabo". Por que o sr. recorre tanto à religião, já que se declara um ateu?
Crace - E olha que meu próximo
livro será "Genesis" (risos). Sou
um ateu completo. Deus não existe, é certo. Mas não é por não existir que as coisas que fazem com
que as pessoas acreditem nele não
existam. Religiosos encontram
seu universo na Bíblia. Eu o procuro em outro lugar qualquer.
Folha - Onde?
Crace - No universo natural.
Folha - Como autor, também tem
seu universo artificial, não?
Crace - A invenção é central para
mim. Sou cobrado nas resenhas
por ter escrito sobre um inseto
que não existia, por fazer mortos
andarem. Ora, é óbvio que é tudo
invenção. Não sou realista, sou
um criador de mitos, um fabulista, não tenho regras.
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