|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DRAUZIO VARELLA
As causas da homossexualidade
Existe gente que acha que os
homossexuais já nascem assim. Outros, ao contrário, dizem
que a conjunção do ambiente social com a figura dominadora do
genitor do sexo oposto é que são
decisivos na expressão da homossexualidade masculina ou feminina.
Como separar o patrimônio genético herdado involuntariamente de nossos antepassados da influência do meio foi uma discussão que monopolizou o estudo do
comportamento humano durante pelo menos dois terços do século 20.
Os defensores da origem genética da homossexualidade usam
como argumento os trabalhos
que encontraram concentração
mais alta de homossexuais em determinadas famílias e os que
mostraram maior prevalência de
homossexualidade em irmãos gêmeos univitelíneos criados por famílias diferentes sem nenhum
contato pessoal.
Mais tarde, com os avanços dos
métodos de neuro-imagem, alguns autores procuraram diferenças na morfologia do cérebro que
explicassem o comportamento
homossexual.
Os que defendem a influência
do meio têm ojeriza aos argumentos genéticos. Para eles, o
comportamento humano é de tal
complexidade que fica ridículo limitá-lo à bioquímica da expressão de meia dúzia de genes. Como
negar que a figura excessivamente protetora da mãe, aliada à do
pai pusilânime, seja comum a
muitos homens homossexuais?
Ou que uma ligação forte com o
pai tenha influência na definição
da sexualidade da filha?
Sinceramente, acho essa discussão antiquada. Tão inútil insistirmos nela como discutir se a música que escutamos ao longe vem
do piano ou do pianista.
A propriedade mais importante
do sistema nervoso central é sua
plasticidade. De nossos pais herdamos o formato da rede de neurônios que trouxemos ao mundo.
No decorrer da vida, entretanto,
os sucessivos impactos do ambiente provocaram tamanha alteração plástica na arquitetura
dessa rede primitiva que ela se
tornou absolutamente irreconhecível e original.
Cada indivíduo é um experimento único da natureza porque
resulta da interação entre uma
arquitetura de circuitos neuronais geneticamente herdada e a
experiência de vida. Ainda que
existam irmãos geneticamente
iguais, jamais poderemos evitar
as diferenças dos estímulos que
moldarão a estrutura microscópica de seus sistemas nervosos. Da
mesma forma, mesmo que o oposto fosse possível -garantirmos
estímulos ambientais idênticos
para dois recém-nascidos diferentes- nunca obteríamos duas pessoas iguais por causa das diferenças na constituição de sua circuitaria de neurônios. Por isso é impossível existirem dois habitantes
na Terra com a mesma forma de
agir e de pensar.
Se taparmos o olho esquerdo de
um recém-nascido por 30 dias, a
visão daquele olho jamais se desenvolverá em sua plenitude. Estimulado pela luz, o olho direito
enxergará normalmente, mas o
esquerdo não. Ao nascer, os neurônios das duas retinas eram
idênticos, porém os que permaneceram no escuro perderam a
oportunidade de ser ativados no
momento crucial. Tem sentido,
nesse caso, perguntar o que é mais
importante para a visão: os neurônios ou a incidência da luz na
retina?
Em matéria de comportamento, o resultado do impacto da experiência pessoal sobre os eventos
genéticos, embora seja mais complexo e imprevisível, é regido por
interações semelhantes.
No caso da sexualidade, para
voltar ao tema, uma mulher com
desejo sexual por outras pode
muito bem casar-se e até ser fiel a
um homem, mas jamais deixará
de se interessar por mulheres.
Quantos homens casados vivem
experiências homossexuais fora
do casamento? Teoricamente, cada um de nós tem discernimento
para escolher o comportamento
pessoal mais adequado socialmente, mas não há quem consiga
esconder de si próprio suas preferências sexuais.
Até onde a memória alcança,
sempre existiram maiorias de
mulheres e homens heterossexuais e uma minoria de homossexuais. O espectro da sexualidade
humana é amplo e de alta complexidade, no entanto; vai dos heterossexuais empedernidos aos
que não têm o mínimo interesse
pelo sexo oposto. Entre os dois extremos, em gradações variadas
entre a hetero e a homossexualidade, oscilam os menos ortodoxos.
Como o presente não nos faz
crer que essa ordem natural vá se
modificar, por que é tão difícil
aceitarmos a riqueza da biodiversidade sexual de nossa espécie?
Por que insistirmos no preconceito contra um fato biológico inerente à condição humana?
Em contraposição ao comportamento adotado em sociedade, a
sexualidade humana não é questão de opção individual, como
muitos gostariam que fosse, ela
simplesmente se impõe a cada um
de nós. Simplesmente, é!
Texto Anterior: Mitsunashi traz suas impressões sobre o Brasil Próximo Texto: Vanguarda do atraso Índice
|