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São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2003

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ANÁLISE

Faltam mecanismos para a lisura na TV

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A suspensão do "Domingo Legal" (SBT) cria um precedente favorável ao desenvolvimento, urgente, de mecanismos democráticos de controle das concessões públicas de televisão.
Os advogados de defesa do SBT, assessorados pelo presidente da OAB, procuram caracterizar a ação do Ministério Público como censura. Não sou jurista, nem a favor da censura, mas creio que a aversão ao autoritarismo não justifica compactuar com o rompimento recorrente dos princípios mais elementares de responsabilidade pública que deveriam guiar emissoras de TV.
Não é a primeira vez que a veracidade de depoimentos divulgados em programas do SBT é questionada. Pedidos públicos de desculpa pela prática ilícita de "pegadinhas" reais parecem estar se tornando a regra na emissora, a começar por Silvio Santos.
A cobertura policial é área propícia ao noticiário enganoso. Ironicamente, na TV, como no rádio, o "jornalismo verdade" se esmera em romantizar narrativas criminais. Nisso Gil Gomes é imbatível. Não por acaso o radialista está de volta ao SBT, apresentando verdadeiros clipes de suspense melô no meio da tarde no "Falando Francamente" -entre uma programação infantil e outra.
Mas aqui não há disfarce. O narrador fala de frente para a câmera. Sua interpretação fantástica de intrincadas tramas permeadas pela subjetividade dos diversos personagens é explícita.
As imagens produzidas para ilustrar os casos não têm som. Os personagens se movimentam olhando uns para os outros, como na ficção mais clássica. Não ouvimos sua voz. Só conhecemos a interpretação do narrador onipresente. Até ações de espíritos têm espaço nesses relatos fictícios.
O estilo "over" desse policial convencional é diferente da mentira naturalista encenada no programa do Gugu. O incidente que gerou o atual debate impressiona pela prepotência.
Só quem acredita que "o céu é o limite" se aventuraria a cutucar com vara curta a um só tempo o PCC e os três poderes da República. O grupo criminoso certamente não curtiu a apropriação indevida de imagem (só faltava entrar com ação por danos morais).
O Judiciário, o Executivo e o Legislativo abrem processos investigativos que, esperemos, tenham desdobramentos punitivos reais -um pouco como os casos desvendados por Gil Gomes.
Será que o Brasil precisa de Gugus? A suspeita de depoimento falso aparece como a ponta de um iceberg intolerável.
Emissoras de TV são estratégicas. Como qualquer atividade econômica, pública ou privada, deveria se submeter a avaliações e auditorias periódicas. E a pena pela transgressão deve ser a censura econômica, essa eficaz.
Faltam mecanismos que garantam aquela lisura básica.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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