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NELSON ASCHER
Religião e culto à natureza
Quem quer que tenha se aliado taticamente a fanáticos religiosos fez um pacto com o diabo
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QUE O homem se desumaniza
para humanizar uma divindade qualquer, este é um pecado do qual os marxistas de outrora, quer dizer, aqueles que ainda não
sabiam, como "sabem" os atuais,
que o paraíso socialista e a restauração do Califado são sinônimos, acusavam a religião. Quem é que hoje
em dia se lembra de que houve um
tempo em que a esquerda se considerava radicalmente humanista e
colocava o ser humano no centro do
universo? Pode-se inclusive sugerir
que foi essa promessa de re-humanização do ser humano alienado de
si mesmo pela crendice e superstição que, às vezes, mais do que o estado corrente da sociedade, levou indivíduos inteligentes a ingressarem
nesta célula ou filiarem-se àquele
partido.
Quem quer que tenha se aliado taticamente a fanáticos religiosos porque compartilhava inimigos comuns com esses fez, sem sabê-lo,
um pacto com o diabo, um pacto pelo qual está condenado a, em breve,
pagar caro. Pois, ao contrário da esquerda, os teocratas pensam estrategicamente e, é óbvio, uma demonologia em comum está longe de ser
uma teologia, que aqueles não possuem, ou uma teleologia, que aqueles tampouco possuem.
Infelizmente, não adianta alertá-los, e eles já criaram um conjunto de
acusações e insultos que serve para
interditar a discussão, não sobre a
maioria das religiões (que podem
ser vilipendiadas à vontade), mas
apenas a respeito de uma específica,
justamente a que não fez as pazes
nem com a distinção entre as esferas
pública e privada, nem com a separação entre Igreja e Estado, nem
com a modernidade.
Embora a aliança mencionada
acima tenha sido rápida e mal-sucedidamente (para os estrategicamente simplórios) esboçada no final dos
anos 70, foi somente nos últimos
seis anos que, para quantos foram
privados, pela demolição do Muro
de Berlim, de uma causa positiva, ela
se recompôs.
E, se nem todos se surpreenderam
como eu, convém observar que tal
aliança havia sido preconizada por
outra não tão diferente.
Muitos que se julgavam não apenas progressistas, como também
humanistas, haviam, talvez sem sequer compreendê-lo, adotado antes
idéias e programas que retiravam o
homem do centro e o lançavam numa periferia mais e mais distante.
Refiro-me à convergência que parece ter se estabelecido nos anos 90
entre determinada esquerda organizada ou recém-desorganizada e os
defensores de causas aparentemente tão apolíticas quanto salvar as baleias, reflorestar alguma região etc.
Movimentos regressivos como estes e os que combatiam e combatem
desde o consumo de bens e serviços
ao uso de combustíveis fósseis ou da
energia nuclear, os que se apavoram
com um aquecimento global cujas
causas (e efeitos) não são bem conhecidos, os que pregam ciências e
medicinas "alternativas" ou a substituição das cidades pelo campo elementar e puro (algo brevemente alcançado pelo Khmer Vermelho no
Camboja), tudo isso teria sido visto
como extremamente reacionário
por Marx e Engels, por Lênin,
Trotsky e Stálin.
O que essas causas todas têm em
comum é, expulsando o homem de
seu lugar central, fazer de conta que
quem está tentando entender o contexto não é sequer um ser humano,
mas uma entidade capaz de decidir
neutramente entre nossos interesses e os de uma árvore ou de um inseto à beira da extinção. Seus militantes (como diriam os velhos marxistas) seguem o caminho da religião ao nos desumanizarem para
humanizar uma natureza tão idealizada quanto mal conhecida.
A lógica do "inimigo comum" (capitalismo, imperialismo etc.) serviu
aqui também para cimentar uma
aliança improvável, de modo que a
penúltima década assistiu a uma
simbiose entre a esquerda política e
as ONGs mais insanas do planeta.
Enquanto os politizados descobriam a possibilidade de subverter a
"nova ordem internacional" salvando as baleias, seus amigos verdejantes constatavam que a salvação das
baleias pressupunha a abolição da
tecnologia, do consumo e assim por
diante.
Nenhuma pessoa normal prefere
um rio poluído a outro cujas águas
cristalinas acolham peixes e banhistas. Ninguém em sã consciência troca um belo jardim por alguns ermos
metros quadrados de concreto ou o
ar perfumado pelo fedorento. Não é
isso que está em questão. Cuidar do
meio ambiente é bom, desde que sejamos nós os beneficiários, pois os
que convertem a natureza em algo a
ser cultuado, bem como seus aliados, estão sempre a um passo de
adotar qualquer religião, de preferência a mais rancorosa que houver
no mercado.
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