São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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"ASSIM FALAVA LAMPIÃO"
Nordeste ganha tradutor de sua língua

VANDECK SANTIAGO
da Agência Folha, em Recife

Quando um nordestino diz que que alguém é "um cara arrombado", acredite: ele está fazendo um elogio. Caso ele diga que gosta de "chupa-chupa", não significa nada que não possa ser feito diante de crianças. E, se ele falar "e priu!", favor não insistir, porque a conversa está encerrada.
As definições dessas e de outras 2.497 expressões estão no primeiro dicionário de "nordestês" publicado no Brasil, obra que traz o significado de expressões típicas da linguagem dos nordestinos. O livro será lançado hoje, em Recife (PE), pela editora paulista Estação Liberdade.
O lançamento em São Paulo acontecerá em 1º de outubro, no teatro Brincante (r. Purpurina, 468, Vila Madalena).
"Assim Falava Lampião", título do livro, é uma pesquisa de três anos do jornalista pernambucano Fred Navarro, 42.
Ele coletou as palavras pesquisando outros dicionários e 34 livros de autores nordestinos. A música nordestina também serviu de fonte. Navarro usou o trabalho de 27 músicos, como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. O autor contou ainda com a ajuda de colegas da região e, como ele diz, "da própria memória".
Nascido em Recife, ele mora há 13 anos em São Paulo. "É um trabalho que só poderia ser feito de fora da região, numa espécie de exílio, porque, estando no Nordeste, essas expressões soam como rotina."
Para quem é de outra região, a quase totalidade dos nomes e expressões é incompreensível -e, nesse sentido, afirma o autor, o livro é também uma "tradução" do linguajar nordestino.
"Arrombado", por exemplo, significa um bom sujeito. "Chupa-chupa" é uma laranja descascada da qual se tira o tampo. "E priu!" é uma expressão utilizada para dizer que o assunto está encerrado.
Navarro diz que só incluiu no livro as palavras que tiveram a origem e o sentido checados. "Azoretar" (perturbar), por exemplo, palavra muito usada no Nordeste, é de origem mineira, constatou.
Quase metade do material coletado (como termos muito chulos e denominações de pássaros e plantas) ficou de fora.
Para fazer a seleção, o autor disse que levou em conta dois outros critérios: o de o termo ser de uso corrente e a palavra, "saborosa".
Nomes e expressões picantes, igualmente, tiveram lugar garantido. Pênis ("prativai") e vagina ("a perseguida") têm, por exemplo, dezenas de significados.
Masturbação chama-se "gloriosa" (mas só se for de muito boa qualidade; caso não seja lá essas coisas, então é "pelar o sabiá" ou "tocar safira"). Sexo entre lésbicas, "fazer sabão".
Dicionários de expressões estaduais já existem em pelo menos dois Estados do Nordeste: Pernambuco ("Minidicionário de Pernambuquês", de Bertrando Bernardino) e Bahia ("Dicionário de Baianês", de Nivaldo Lariú).
Obras específicas de termos da região, também (como "Os Mistérios do Faz-Mal", do pernambucano Mário Souto Maior).
"Assim Falava Lampião" é um passo adiante nessa área, com uma abrangência geograficamente mais ampla.
O livro é enriquecido ainda por ilustrações de J. Borges e tem apresentações do músico baiano Tom Zé e do ator e músico pernambucano Antônio Nóbrega.
"O livro é a compilação mais completa de que tenho notícia sobre a contínua reinvenção que o povo brasileiro, especialmente o nordestino, vem fazendo da língua que falamos", afirma Nóbrega.
"Quem inventa tais palavras é um povo que brota e floresce", afirma Tom Zé.
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Livro: "Assim Falava Lampião"
Editora: Estação Liberdade (tel. 011/3824-0020)
Lançamento: hoje, às 19h Onde: União Brasileira de Escritores - Secção Pernambuco (r. Santana, 202, Recife) Quanto: R$ 20 (no lançamento); R$ 25 (nas livrarias)



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